quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Depois de Lúcia



Entre os muros da escola

Um dos filmes que mais me impressionaram nesta edição da Mostra O Amor, a Morte e as Paixões foi esse Depois de Lúcia, co-produção entre México e França. Numa Mostra em que a grande atração é a última Palma de Ouro (Amor, de Haneke), vale também dar atenção a este que foi o vencedor do último Un Certain Regard (Um Certo Olhar), uma paralela à principal competitiva de Cannes. Dali saem o que podem se tornar grandes revelações, enquanto a Palma é dominada por gente que já tem nome e, não raramente, prestígio.

Bem interessante notar, aliás, que o cineasta Michel Franco, mexicano, pareça ser influenciado justamente pelo cinema de Michael Haneke: planos longos e estáticos, enquadramentos pensados numa mesa de arquitetura, quase matemáticos, e um frio amargor que sugere diálogo com alguns momentos do autor austríaco. Ambos cultivam uma objetividade e paciência intrigantes, bem diferentes de um longa como Movimento Browniano (2010), de Nanouk Leopold, também com sessões na Mostra, este sim, insuportável em seus tempos mortos e enterrados, de um esvaziamento presunçoso que, na verdade, não leva a nada.

O "depois de Lúcia" situa o tempo da história, que acompanha pai e filha adolescente após a morte da esposa. Eles mudam de cidade; ele, chef de cozinha, encontra novo restaurante e ela, nova escola. Nova equipe de trabalho, novos colegas de sala. Aos poucos, tentam superar a perda recente. Aos poucos, e gradativamente, ela começa a ser abusada no colégio. Daí em diante, Franco monta, peça por peça, uma descida ao inferno.

Depois de Lúcia ainda apresenta uma relação com imagens que o aproxima de Haneke por mais um lado. Aqui, as desumanidades (ou humano, demasiado humano) têm início num descuido envolvendo um vídeo de celular. A filosofia de parte da filmografia de Haneke gira em torno do registro visual, daquilo que é gravado e, uma vez aprisionado em tela, ganha vida própria e poder de alterar a "realidade". Em alguns aspectos, inclusive o tom, temos aqui algo que talvez esteja bem próximo de O Vídeo de Benny (1992).

O "certo olhar" de Franco é um olhar distanciado que prima pelo incômodo, tal qual o de uma testemunha impotente. O nível de bullying é muito grande, sobretudo por ser muito específico em sua agressão (contra mulher, contra uma garota). No papel da menina, Tessa Ia oferece atuação das mais corajosas, submetida a um ciclo de humilhação que chega a correr o risco de perder a credibilidade: tanto acontece, maldade por todos os lados, e não há um que não pareça concordar em ser, no mínimo, cúmplice. O filme quase se perde nos seus excessos sem qualquer gota de alívio, mas isso vira só um ponto de interrogação pairando ali no meio, pois os rumos finais definidos pelo cineasta são muito bons, mesmo. A última cena, o último plano, é sensacional.

P.S.: o filme me parece ser muito mais que uma discussão sobre machismo, mas como é um tema que certamente será levantado (e que, sim, está lá), é bom dizer que, terminada a sessão, perguntar com indignação o porquê da garota "não ter contado pra ninguém" é algo que não faz sentido.

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