sexta-feira, 17 de maio de 2013

O Que se Move



A primeira vez que tentei assistir a O Que Se Move (2012), primeiro longa de Caetano Gotardo, foi na Mostra de São Paulo do ano passado. Horários ruins dentro da minha programação não permitiram, mas o conselho ao redor era aquele tentador "assista sem ler ou saber nada sobre ele", que, sejamos francos, funciona para qualquer filme.

Quatro meses depois, na Mostra O Amor, a Morte e as Paixões, aqui em Goiânia, consigo estar na sessão munido do mínimo de informação possível (i.e. ficha técnica; e nada de sinopse, claro). Não era nada do que normalmente se espera, nenhuma reviravolta manobrista, mas algo surpreendente, e mais na forma que no conteúdo.

É um longa capitular, dividido em três partes, que não tarda em se transformar em outra coisa, em saltar uma boa distância no que se arrisca a produzir no cinema brasileiro hoje. É um risco até mesmo num "cinema de gênero", às vezes meio desengonçado, mas qualquer filme que atropele a naturalizada concentração do espectador e o jogue entre amargas partituras merece alguma atenção.

O Que Se Move começa forte, pegando um garoto em seu último dia de férias e resumindo-o em um som distante. A cantora Cida Moreira é quem revela o tom ao qual três desgraças familiares serão submetidas. Interpreta uma mãe comum, de família comum, de papos triviais e convivência normal em salas, cozinhas e quartos, elementos de uma vida média que Gotardo parece encarar com proximidade, sensação de que os golpes do acaso pudessem ter acontecido com aqueles vizinhos seus. Historietas de jornal.

Um amigo crítico de São Paulo que conheci há duas semanas disse ter se lembrado do cinema de Christophe Honoré. Não sei. Eu teria de rever Honoré, que me parece bem mais doce (e, pensando hoje, mais esquecível do que eu gostaria que fosse). O filme de Gotardo tem algo de resistente, capaz de ignorar fragilidades notáveis, como ocorre com parte das atuações, especialmente as do elenco jovem.

A estrutura em três episódios talvez anestesie alguns de seus efeitos, os espectadores subindo a guarda diante da história conclusiva, à espreita do que, naquele momento, já se tornara padrão. De toda forma, são tragédias e infelicidades que brotam do cotidiano de famílias bem brasileiras, de dentro de suas moradias ou do trabalho (existe um plano-sequência asfixiante de um pai que se tranca em seu escritório), na rua ou num restaurante, devidamente explicadas apenas quando certas personagens, sufocadas por tamanha realidade, colocam pra fora um acúmulo de dor e angústia de maneira muito particular, como se o cinema lhes reservasse um cantinho de despejo emocional.

O Que se Move estreia hoje no Cine Cultura, logo após O Abismo Prateado, outro Karim Aïnouz de coração despedaçado por abandono, sair de cartaz. São, cada um ao seu modo, filmes que tentam lidar com despedidas através de canções de amor.

segunda-feira, 6 de maio de 2013

Homem de Ferro 3


Coice de ferradura

O que dizer de uma produção que toma conta de praticamente metade das salas de cinema comerciais do Brasil? Entre legendadas e dubladas, comuns e 3D, são 1250 cópias enforcando o circuito. Para o espectador ocasional, aquele que movimenta a carreira econômica de um filme, o que é oferecido nestas próximas semanas se resume a "Homem de Ferro e o resto".

É uma tática simples e eficiente para a indústria que tem dinheiro. Maioria absoluta do espaço, redução da concorrência, domínio significativo. Estratégia rinocerôntica, dessas que atropelam mesmo. Homem de Ferro 3 bate o recorde do último longa da saga Crepúsculo em cerca de 15 salas. Não se trata apenas de divulgação e preocupação com cifrões, logísticas de mercado que todos os filmes têm e precisam ter. Isso é outra coisa. Isso é massacre.

A solução seria alugar o Brasil, ou melhor, as salas do Brasil, como defenderia Raulzito? Talvez fosse hora, numa aurora qualquer, de pedir uma xícara de açúcar à vizinha Argentina e observar como funciona por lá. Pode ser uma conversa na calçada mesmo, sem muito tempo a perder.

O que dizer aqui, então? Faz alguma diferença? Os três filmes, lançados num período de seis anos, me parecem sofrer da mesmacoisice desses produtos Marvel que, a bem da verdade, se unem em algo minimamente bem amarrado. É o investimento no seriado e na homogeneização, onde Homem de Ferro se diferencia somente pela presença - ou posse - de Robert Downey Jr. Aqui, no terceiro, ao menos há uma leve mudança de tom, uma melhorada no humor, com Shane Black (Beijos e Tiros) substituindo o inócuo Jon Favreau na direção. Ecos evidentes de Máquina Mortífera, roteirizado por Black, podem ser percebidos, o que acaba por ser interessante.

Mais interessante, porém, é a relação com o novo antagonista, o Mandarim. Tanto Tony Stark quanto o inimigo desenvolvem relações distintas com as imagens: Stark ostenta-se como figura pública, enquanto o Mandarim preza pelo anonimato. Ambos investem em representações e encenações como táticas de guerra, cada um tirando, à sua própria maneira, proveito do poder de engano das imagens. Seria quase proveitoso, não estivesse o filme comprometido com os lugares comuns desse universo Marvel que se recusa a sair da zona de conforto. Kenneth Branagh em Thor teria sido uma tentativa recente de correr alguns riscos, mas nada comparado ao que Bryan Singer, Sam Raimi e Ang Lee conseguiram fazer.

Sobra aqui uma espécie de celebração daquele que constrói. Hollywood vende o personagem de Stark como um mecânico, embora não deixe de ser um milionário. É um produtor, diz essa equação. E um produtor de imagens poderosas, afinal, ao ponto de levantar questões a respeito do uso de tanto poder. Desde o primeiro longa, o produto Homem de Ferro, aquela armadura e tudo o que a envolve, é associada a um contexto bélico, reforçado pelos studios Marvel ao tentar aproximar seus heróis do "nosso mundo" (noticiários, revistas, jornais...).

Com tamanha riqueza e tamanho poder, é preciso que o herói tenha a consciência de seu lugar no mundo e, não muito atrás, um compromisso, situação que também ocorre com o Batman, da DC, este com sua própria carreira de blockbuster cinematográfico. As duas franquias - e o termo já indica uma forma de pensamento -, contudo, não parecem ter o mesmo cuidado, sustentadas por seu modo glutão de se colocar diante do público.

"E diverte?", me perguntam. Até que sim. A questão, no entanto, é se, nesta ocupação astronômica de salas, há tempo e espaço para descobrir se "o resto" também pode ser no mínimo divertido.