sábado, 23 de fevereiro de 2013

Argo





Narrativa clássica e feitiçarias

Terceiro longa de Affleck, este Argo já é encarado como a consagração definitiva do ator-diretor, a ser selada com o provável Oscar de Melhor Filme. Particularmente, prefiro seus dois anteriores, Medo da Verdade (Gone Baby Gone, 2007) e Atração Perigosa (The Town, 2010). São todos, porém, filmes de alguma forma modestos, que exprimem um gosto pelo filmar.

Filme bem comportado, Argo é um bom thriller político, passado em 1979. É baseado no caso real em que uma crise política no Irã (explicadinha numa introdução que, literalmente, desenha para o espectador) faz com que seis norte-americanos tenham de se manter escondidos no país.

Uma operação entre a CIA e o governo canadense é montada para o resgate. Liderado por Tony Mendez (Ben Affleck), o plano parece tirado da cartola de um mágico circense: com a ajuda de Hollywood - muito mais de seu imaginário, na verdade -, fingir a produção do filme sci-fi B "Argo", que teria locações no Irã. Os norte-americanos sairiam de lá disfarçados de profissionais da indústria cinematográfica.

Brincadeiras com superficialidades hollywoodianas, todas elas asseguradas por John Goodman e Alan Arkin, tem espaço interessante, mas Argo é um filme esperto. Ben Affleck o constrói como se tomasse tabuada da narrativa hollywoodiana clássica. É extremamente tradicional e muito bem executado nesse sentido. Penso não ser exagero enxergar em Affleck um grande herdeiro de Clint Eastwood, grande referência do classicismo norte-americano das últimas décadas.

Tudo está lá: os personagens secundários cuja resolução final pouco ou nada interessa; a esfera maior (política) e a esfera menor (relação entre Mendez e o filho); o jargão ("Argo-fuck-yourself", que logo vira uma piadinha chata); o deadline delimitadíssimo e repleto de obstáculos "ocasionais" no percurso; a montagem paralela; o final que reforça de vez a importância da família, e por aí vai. Ou seja, o esqueleto da narrativa clássica, colocado no papel por David Bordwell, é seguido à risca.

Quando vi o filme, me interessou a maneira como parecia, acima de tudo, respirar cinema. A elaboração do projeto "Argo" é o que há de melhor. Próximo ao fim, numa sala de interrogatório, o ponteiro do relógio correndo, um personagem salva toda a operação ao explicar, com sons, storyboards e alguma paixão de menino, o roteiro da produção espacial a um sisudo militar iraniano.

A cena parece criada para homenagear a magia do cinema, seu poder sobre a imaginação das pessoas e, talvez mais importante, a importância de se contar histórias (o cerne do longa de Affleck?). Por outro lado, pensada depois, é também uma espécie de feitiço, maracutaia do sábio pra cima do ingênuo, algo meio Tom & Jerry. O amigo Saymon sentiu o mesmo, mas infelizmente não escreveu nada no Esperando Godard, limitando-se a comentar no Facebook, o que também me levou a repensar a cena.

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