sábado, 23 de fevereiro de 2013

A Hora Mais Escura




Quando chega a escuridão

Kathryn Bigelow é diretora de interesse. É raçuda, muscular, com uma câmera enérgica de verdade. Em Caçadores de Emoção - é, aquele mesmo, com Keanu Reeves e Patrick Swayze -, ela botava a câmera pra correr, pular muro e se esgueirar entre casas e quintais durante uma perseguição sensacional.

Seus filmes são sólidos, e, agora, com A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty), ela faz uma dobradinha com seu anterior, Guerra ao Terror (The Hurt Locker, 2008), um vencedor de Oscar muito bom de ver premiado. Primeiro porque venderam a briga como um embate entre ex-esposa e ex-marido (Avatar, de James Cameron, com quem fora casada, era a produção mais indicada naquele ano), e, sobretudo, também porque era um filme imerso neste universo particular e, de alguma forma, cinematograficamente fascinante, que é o universo da guerra. Tinha ali um personagem muito forte, uma ambiguidade sobre o vício e as funções de quem age no meio da guerra. Obra rica, sem patriotadas, apenas um olhar muito interessado.

A Hora Mais Escura também é assim, só que em torno da caçada a Osama Bin Laden. No lugar do vício, algo semelhante: a obsessão. Maya (Jessica Chastain, atriz que está em todas nos últimos dois anos, estrelato veloz; ela é muito boa) é a agente da CIA responsável por investigar a localização de Bin Laden. Faz isso por mais de uma década, íntima de relatórios, imagens de satélite e de câmeras de segurança. Imagens de registro que, quando exibidas em salões da CIA, em telas grandes, maiores que a agente, lembram um mórbido cineminha particular.

Mais uma vez, Bigelow faz antes um filme sobre alguém do que sobre qualquer outra coisa. Pode-se dizer que Maya até seria uma personagem de James Cameron, mas não vejo isso muito bem. Ela é muito mais feminina, certamente obstinada, mas não durona-quase-macho (Sarah Connor, Ripley...). Transparece fragilidade. Uma figura muito humana, em circunstâncias desumanas, como cenas de tortura, momentos que acumulam sua leva de críticos, como se o filme validasse tais tratamentos. Bobagem. No máximo, faz um ótimo comentário irônico a respeito, com direito a depoimento do presidente Obama na TV.

Me parece um cinema pensado para a personagem, sua real preocupação: o horror em seu rosto, a necessidade de colocar uma máscara para ser capaz de bancar sua obsessão e aguentar aquilo tudo. No decorrer dos anos, ela até aparenta se acostumar. Mas o plano final desengana.

Na captura de Bin Laden, Bigelow, com muito talento e ritmo, busca um tom de realidade extrema: breu total, visões noturnas granuladas e esverdeadas, imagens de celular, silêncios, tiros secos, um distanciamento de clichês hollywoodianos. Quando Chega a Escuridão (Near Dark, 1987), também dirigido por Bigelow, poderia emprestar seu título a este seu último filme.

Sequer há um close em Bin Laden. O filme se recusa a vacilar nesses aspectos. Não americaniza a coisa toda, ainda que possa dizer algo a respeito do povo norte-americano. Ou não? Um anticlímax, para Bin Laden, que, no final das contas, acaba sendo só mais um corpo? Talvez seja a maneira de Bigelow resumir guerras: graúdos ou não, são apenas corpos. O verdadeiro "clímax" é uma lágrima completamente insegura e desoladora.

A Hora Mais Escura tem um irmão gêmeo: O Homem Mais Procurado do Mundo, de John Stockwell, que sabe-se lá quem vai assistir.

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