terça-feira, 28 de dezembro de 2010

TOPs 2010 - Cinema e Música

TOP Música 2010

Como deixei de ouvir álbuns que considero essenciais, vou arriscar apenas um TOP 5 Música.

5) "Expo 86" - Wolf Parade
4) "High Violet" - The National
3) "My Beautiful Dark Twisted Fantasy" - Kanye West
2) "The Suburbs" - Arcade Fire

1) "Heligoland" - Massive Attack


...

TOP 10 Piores Filmes de 2010 - leva em consideração a data de lançamento nos cinemas brasileiros.

10) Ninja Assassino, de James McTeigue
09) Príncipe da Pérsia: As Areias do Tempo, de Mike Newell
08) Skyline, dos Strause Brothers
07) Os Mercenários, de Sylvester Stallone
06) O Fada do Dente, de Michael Lembeck
05) A Hora do Pesadelo, de Samuel Bayer
04) Caçador de Recompensas, de Andy Tennant
03) Lula - O Filho do Brasil, de Fabio Barreto
02) Um Sonho Possível, de John Lee Hancock

01) Sex and the City 2, de Michael Patrick King


Alguém, por favor, pare essas mulheres. Uma odisséia de futilidade de 02 horas e meia.


TOP 20 Melhores Filmes de 2010 - também leva em consideração a data de lançamento nos cinemas brasileiros, né, champz?

20) Invictus, de Clint Eastwood
19) As Melhores Coisas do Mundo, de Laís Bodanzky
18) Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, de Karim Ainouz e Marcelo Gomes
17) Um profeta, de Jacques Audiard
16) O Escritor Fantasma, de Roman Polanski
15) Ilha do Medo, de Martin Scorsese
14) À Prova de Morte, de Quentin Tarantino
13) Sede de Sangue, de Chan-wook Park
12) O Segredo de Seus Olhos, de Juan José Campanella
11) Mary & Max, de Adam Elliot
10) Scott Pilgrim Contra o Mundo, de Edgar Wright
09) Guerra ao Terror, de Kathryn Bigelow
08) Tropa de Elite 2, de José Padilha
07) A Origem, de Christopher Nolan
06) Vício Frenético, de Werner Herzog
05) Vincere, de Marco Bellocchio
04) A Rede Social, de David Fincher
03) Mother, de Bong Joon-ho
02) Toy Story 3, de Lee Unkrich

01) A Fita Branca, de Michael Haneke


* postado ao som de "Girl I Love You" - Massive Attack

edit 30/12/2010: e, durante 30 minutos de cochilo, concluí que lembro bem mais de Vício Frenético do que de A Origem e inverti a posição dos dois.

edit 31/12/2010: entrou Vincere.

TOPs 2010: Musas

TOP 5 Musas 2010

5) Sofia Coppola



Estranha. Às vezes estranhamente sexy. Tem tentado me cantar com filmes. Tem conseguido.


4) Anna Kendrick



Filmes horríveis (saga Crepúsculo), filmes médios (Amor Sem Escalas), filmes ótimos (Scott Pilgrim Contra o Mundo). Fofa e encantadora em todos eles.


3) Violante Placido



Par romântico de George Clooney em The American. A melhor surpresa do ano: ela.


2) Sasha Grey



A pornstar mais distinta: interesse por arte, Nouvelle Vague, Kurosawa, Criterion Collection, Paul Thomas Anderson etc, e agora atriz de Cinema (The Girlfriend Experience) e séries (Entourage). No Twitter, Sasha é fofura e ternura, comenta esportes, política e é toda in culturalmente. Além disso, ela me deixou uma DM. Juro.


1) Jessica Paré



Decorei nome e beleza quando a vi pela primeira vez em Assunto de Meninas, filminho OK em que elas tem uns pegas com a Piper Perabo, outra sualinda. Aí ela me reaparece com destaque na quarta (e melhor) temporada de Mad Men com + 50 pontos de uma beleza que já era nível Expert. Enchanté.

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postado ao som de "Hell of a Life" - Kanye West

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Mostra Do Terror e do Fantástico - Cine UFG



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Uma Mostra realizada a convite do professor Lisandro Nogueira (@lisandron). Surgiu no papinho entre Lisandro, Daniel e eu, em pequenas conversas durante outras Mostras do Cine UFG. Tarefa de escolher 12 filmes se revelou um tanto dolorosa, mas no bom sentido, tendo que escolher entre tantos filmes que Daniel e eu gostaríamos de exibir.

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Desde suas origens o cinema, herdeiro da imagem, procurou oferecer ao olhar algo mais do que o meramente real. De fato, à medida que o discurso científico desmistificou o cotidiano das pessoas, o fantástico, antes tão presente, escapou para dentro dos universos ficcionais construídos pela plasticidade imagética e narrativa desta nova forma de arte. As possibilidades técnicas da imagem possibilitavam a concretização de visões antes apenas possíveis na imaginação do leitor. Profundo paradoxo: o cinema, tributário da tecnologia, construiu um universo inteiro para o sobrenatural, o gótico, o irracional.

O principal habitante desta geografia fantástica era o medo. Medo diante do desconhecido, do metafísico, da loucura, da humanidade. Incorporando uma longa tendência da subliteratura de jornal (os canards franceses, por exemplo) o grotesco se apropria da linguagem cinematográfica e se estabelece como gênero: maníacos assassinos, monstros, perversões, criaturas fantásticas tornam-se tema para o exercício criativo dos cineastas.

Não demora muito para que verdadeiros artistas imprimam ao gênero alguma dignidade, começando pelo seminal Nosferatu, de F. W. Murnau até o mais recente Labirinto do Fauno, de Guilhermo Del Toro. Em todos, o fantástico e o terrível tornam-se matéria-prima para discutir temas importantes da sociedade, como em A Noite dos Mortos-Vivos, filme de baixo orçamento de 1968 no qual temos, pela primeira vez, um protagonista afro-descendente engajado, em meio a uma invasão de zumbis, numa disputa absurda com o racismo da sociedade da época.

Do vampiro ao lobisomem, do zumbi ao demoníaco, do sobrenatural às monstruosidades, do psicológico à violência física, o cinema de terror expressa com impacto o seu igual interesse pelo desconhecido. Embora seja visto como um subgênero cinematográfico, o terror participa da formação inicial de muitos cinéfilos, fascinados por novas criaturas e pelo fantástico. Não raramente, o cinéfilo ainda neófito pode fechar os olhos para algumas cenas. O medo gera impacto. É marcante e, paradoxalmente, nos abre a imaginação para as possibilidades emocionai do próprio cinema. Além de ser catártico afinal, já diziam os gregos, o terrível enquanto arte nos prepara para o trágico de nossas vidas. O medo é parte da condição humana.

Como todo gênero, o terror também faz parte da história do Cinema. Grandes obras foram feitas, grandes diretores se estabeleceram. É um cinema acostumado a nichos, mas que tem o seu espaço. O Cine UFG, que já exibiu Mostras de Ingmar Bergman, Luis Buñuel, Quentin Tarantino, Federico Fellini, agora exibe a Mostra de Cinema de Terror com o mesmo interesse que tem por esses autores consagrados.



Por Daniel Christino (@dchristino) e Fabrício Cordeiro (@fabricord)


PROGRAMAÇÃO:

08/11
Sessão 12h: Nosferatu (94 min.), de F.W. Murnau
Sessão 17h30: O Lobisomem (70 min.), de George Waggner

09/11
Sessão 12h: A Noite dos Mortos-Vivos (96 min.), de George Romero
Sessão 17h30: A Companhia dos Lobos (95 min.), de Neil Jordan

10/11
Sessão 12h: Um Lobisomem Americano em Londres (97 min.), de John Landis
Sessão 17h30: O Labirinto do Fauno (118 min.), de Guillermo del Toro - DEBATE

11/11
Sessão 12h: O Enigma de Outro Mundo (109 min.), de John Carpenter
Sessão 17h30: O Massacre da Serra Elétrica (83 min.), de Tobe Hopper

12/11
Sessão 12h: Gêmeos – Mórbida Semelhança (116 min.), de David Cronenberg
Sessão 17h30: O Homem de Palha (88 min.), de Robin Hardy

15/11
Sessão 12h: O Massacre da Serra Elétrica (83 min.), de Tobe Hopper
Sessão 17h30: Pague Para Entrar, Reze Para Sair (96 min.), de Tobe Hopper

16/11
Sessão 12h: O Lobisomem (70 min.), de George Waggner
Sessão 17h30: O Enigma de Outro Mundo (109 min.), de John Carpenter

17/11
Sessão 12h: O Homem de Palha (88 min.), de Robin Hardy
Sessão 17h30: A Noite dos Mortos-Vivos (96 min.), de George Romero - DEBATE

18/11
Sessão 12h: A Companhia dos Lobos (95 min.), de Neil Jordan
Sessão 17h30: Um Lobisomem Americano em Londres (97 min.), de John Landis

19/11
Sessão 12h: O Exorcista (132 min.), de William Friedkin
Sessão 17h30: Gêmeos – Mórbida Semelhança (116 min.), de David Cronenberg


LOCAL: Cine UFG, na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Goiás, Campus II (Samambaia), no Conjunto Itatiaia.


Debates

O Labirinto do Fauno

10 de novembro, quarta-feira – após a sessão das 17h30
Debatedores:
- Daniel Christino, professor da Facomb
- Carolina Soares, aluna de graduação da Facomb e membro do Cine UFG Debate
- Adele Lazarin, aluna de graduação da Facomb e membro do Cine UFG Debate
- Fabrício Cordeiro, aluno de graduação da Letras e membro do Cine UFG Debate

A Noite dos Mortos-Vivos

17 de novembro - quarta-feira - após a sessão das 17h30
Debatedores:
- Daniel Christino, professor da Facomb
- Pedro Novaes, cineasta


APOIO

Executiva; Facomb mestrado; Funape 30 anos; Adufg

Curadoria:
Daniel Christino
Fabrício Cordeiro

terça-feira, 5 de outubro de 2010

domingo, 29 de agosto de 2010

Os Mercenários



Mickey Rourke é Carrie (narra, reflete...), Jason Statham é Charlotte (o apaixonado), Stallone é Miranda (simplesmente chato) e Dolph Lundgren é Samantha (porque sobrou). Stallone fez o Sex and the City da marombagem.

Uns parágrafos a mais no Cherryland.

domingo, 8 de agosto de 2010

Arcadefireando

Pensa na, sei lá, torcida do Corinthians cantando isso num estádio lotado:



Movimento "Torcida Organizada": organize sua torcida para cantar Arcade Fire durante um jogo e faça do futebol um esporte melhor.

A Dupla Vida de Véronique




Véronique decide

Kieslowski abre o filme que o lançou mundialmente com a imagem invertida do horizonte de uma cidade. Uma narração feminina se refere às luzes dos prédios como se fossem estrelas, e o céu cheio de nuvens como se fosse névoa. Parece existir, assim, uma rápida noção de um duplo para o mundo, ou as diferentes perspectivas que podem surgir diante de um olhar. Câmera de cabeça pra baixo, imagem certeira, novo sentido.

Tanto o título quanto a breve introdução de A Dupla Vida de Véronique já explicitam o interesse de Krzysztof Kieslowski pela idéia do duplo e da múltipla realidade (que aparece mais de uma vez em sua obra, como em capítulos da série Decálogo e em A Fraternidade É Vermelha). A “dupla vida” chega a distanciar-se da metáfora, com Kieslowski concretizando o mito germânico do doppelgänger, para a agonia existencial de Weronika e Véronique, aparentemente versões polonesa e francesa de uma mesma pessoa. As duas moças não tem noção da existência uma da outra, mas reconhecem algum tipo de estranha ligação pessoal em suas vidas, uma ligação capaz de exercer importante papel emocional e complementar, a ponto de influenciarem decisões.

Weronika e Véronique são vivamente interpretadas por Irène Jacob, atriz de beleza desfolegante. Kieslowski a filma com um erotismo respeitoso, sex appeal instantâneo na maioria de suas cenas. O tempo deveria parar toda vez que Jacob se despisse, e a sensualidade agradeceria. Mais importante, Jacob desenvolve atração, muito mais relacionada a jeitos e modos do que beleza, e daí ela tira atuação e presença difíceis de eliminar da memória, principalmente quando imersa no colorido melancólico de Kieslowski, mestre das cores primárias. As duas personagens são conectadas não apenas pelas cores, mas sobretudo por música via composições de estilo clássico por Zbigniew Preisner, colaborador habitual do cineasta. De paralisar a alma.

Curioso observar como Weronika e Véronique aparecem com diferentes pares românticos durante o filme, sem exatamente transparecer um relacionamento sério; numa sequência digna de Antonioni, a francesa Véronique vai ao encontro de um homem depois de desvendar elaborada estratégia de contato envolvendo fitas de áudio. São garotos e homens que se envolvem com elas, mas o envolvimento mais significativo das duas parece existir entre suas identidades replicadas. O sexo é masculino e feminino, mas o sentimento é feminino e feminino.

Munido do raro olhar que Kieslowski tinha para filmar, A Dupla Vida de Véronique agrega um infinito de imagens belíssimas. No entanto, por muitas vezes o filme age como se tivesse um mistério metafísico a ser desvendado. Impressão é de que um tom mais pesado poderia resultar em filme medonho, e ainda assim maravilhoso de ser visto, pois há um delicioso flerte do cineasta com o Cinema fantástico.

Temos aqui esse polonês vidrado nas diferentes formas de se observar o mundo, encontrando representações do duplo em espelhos, pequenas esferas de vidro, janelas ou qualquer coisa que se localize entre a câmera e a imagem a ser capturada. De certo modo, parece olhar para o próprio Cinema como uma espécie de duplicador, não menos intenso e complementar para (nossas) vidas do que a relação entre Weronika e Véronique.

*postado ao som de Arcade Fire - "Wake Up"

quinta-feira, 22 de julho de 2010

À Prova de Morte



O homem que amava as mulheres

*Texto escrito e publicado originalmente em 2007.

Assim como Truffaut, Tarantino parece traçar cada vez mais um pontilhado para se tornar, ao seu estilo, um “homem que amava as mulheres”. Death Proof percorre a tela como uma baita machadada na nuca, com todo o charme do B e do (s)exploitation que o filme, ao lado do Planeta Terror do chapa Robert Rodriguez (os dois formam/formaria a double feature Grindhouse), tem o prazer de honrar. Porém, acabada a sessão, prevalece a feminilidade dominante tão presente na obra pós-Cães de Aluguel de Tarantino.

Quando falamos no B genuíno e no exploitation, é preciso lembrar que são, hoje, raças extintas, pertencentes aos indomáveis e por vezes incautos anos 70. Tarantino, um 747 de referências e conhecimento cinéfilo, traz o máximo dessa experiência para um filme que, vindo dele e de um estúdio, tem como arcar com a homenagem. Com orçamento, Tarantino resgata o pobre e o tosco, seu Death Proof exibido com calculadas falhas de filmagem, pedaços ausentes de filme, imagens riscadas, erros de montagem, ruídos e cortes abruptos. Uma delícia.

Na verdade, Tarantino (re)utiliza tais características na primeira metade de seu longa de duas horas. Temos um grupo de moças para cada hora, separados por 14 meses. Em ambos os casos essas moças serão ameaçadas por Stuntman Mike (Kurt Russell, na sua melhor presença desde parcerias com John Carpenter), um dublê de perseguições automobilísticas que tem como arma o seu carro “à prova de morte”. Fetiche pelo elemento carro tem admirações masculinas e femininas dentro de Death Proof, e Tarantino usa isso para, entre tantas citações, nos lembrar de filmes como Vanishing Point, título mencionado numa longa conversação que parece criar versão feminina da discussão inicial de Cães de Aluguel, incluindo movimentação da câmera. Vanishing Point ainda ganhará referência visual numa corrida final.

Antes que o feminino esmague o masculino, Death Proof deixa claro, como boa fotocópia dos gêneros que bebe, come e fuma, que a câmera é guiada por um pinto. Uma bunda de shortinho empinada para a câmera, uma lap dance, os pezinhos que Tarantino enxerga com tanto carinho e despudor, insinuações de uma cheerleader estuprada (o mesmo estuprador de moças em coma de Kill Bill), e por aí vai...

Tanto em imagem quanto em leitura, o ponto alto da primeira metade talvez seja uma açougante batida de carro, cena que demoraremos a ver outra semelhante e que ganha contornos sexuais numa sensata leitura do xerife local. Crash, de David Cronenberg, salta piscando néon na memória.

Passada uma hora de metragem, Death Proof passa a ser menos de outros e mais de si mesmo, pelo menos em como a imagem é tratada. Referências continuam, e se o carro desse novo bando de moças é uma versão quatro rodas de moto-uniforme da Noiva em Kill Bill (por sua vez referência a Bruce Lee e seu macacão amarelo-e-preto), Kurt Russell pisca para Antonioni e seu Blow Up numa cena em que fotografa as meninas.

As quatro novas moças, logo somos informados, trabalham num filme e estão de folga. Duas delas são, assim como Stuntman Mike, dublês. Uma delas, a neozelandesa Zoe, protagonizará perigosa e curiosa cena num Dodger em altíssima velocidade, com posição, prazer e situação lembrando algo de sexual. Stuntman Mike entra em cena em dado momento, e o que vemos é Tarantino promovendo algum tipo de orgia entre pessoas, carros e natureza nessa perseguição da qual ninguém deseja o fim, que chega no curto e alegremente grosseiro desfecho “acerto de contas” já previsto.

Em 2007, Tarantino disse em Cannes que fez Death Proof pensando no slasher, e de como filmes do gênero tinham na mulher a principal representante da força e da sobrevivência. Usou O Massacre da Serra Elétrica, Sexta-Feira 13 e Halloween como exemplos, e, vendo Death Proof, seus paralelos de cinéfilo apaixonado fazem total sentido, mais uma vez. Também pensei em I Spit On Your Grave, que já teve um casinho com Kill Bill, e aqui me fez presente mais num sentido estético e, novamente, no muque feminino sobre alguns bagos.

Interessante que as mulheres de Tarantino são observadas por ele com delicadeza e brutalidade alternadas, às vezes misturadas. Surgem e revelam-se não somente mulheres que indiscutivelmente são, mas fêmeas e donzelas conquistadoras.


*Post publicado ao som de Dave Dee, Dozy, Beaky, Mick & Tich - "Hold Tight"

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Eric Rohmer




Cineasta de cabeceira

Eric Rohmer morreu este ano, pouco antes de completar seu nonagésimo aniversário. Manteve-se ativo até 2007, filmando em décadas que cada vez mais pareciam lhe reservar somente brechas. Não que os filmes de hoje sejam piores (não são) ou que o Rohmer fosse infalível (não era), mas é interessante pensar no trabalho do cineasta diante de um mercado cada vez mais afobado. Quando experimentou a tecnologia digital em A Inglesa e o Duque (2004), soou antiquado, ainda que belo. Hoje, com o investimento compulsivo na tecnologia febril do 3-D, um cinema como o de Rohmer, por mais reconhecido que seja, parece ter de se reafirmar. Curiosamente, é Rohmer, com sua “cineratura”, quem oferece uma dimensão a mais, anos e anos antes.

Quando se fala em Nouvelle Vague, os primeiros cineastas que vem à cabeça são Jean-Luc Godard e François Truffaut. Transgressor e um dos marcos artísticos da década de 60, o movimento cinematográfico francês contava ainda com Alan Resnais, Jacques Rivette e Claude Chabrol, também de extrema relevância. Rohmer, no entanto, costuma ser lembrado por fim.

Como os colegas new wavers, Rohmer frequentou a Cinemateca Francesa (fundada por Henri Langlois em 1936) e escreveu para a Cahiers du Cinema, revista da qual foi editor-chefe por quase oito anos e uma das mais influentes publicações do meio artístico. Embora tenha sido o primeiro do grupo de jovens autores a se tornar cineasta, Rohmer foi um dos últimos, senão o último, a ser visto como representante sólido da Nouvelle Vague. Por quê? Porque a onda era nova, mas o cinema de Rohmer é de gente velha. Só que ser velho é um estado, podendo durar minutos, horas ou anos, com todas suas vantagens e desvantagens; as gírias são opcionais.

Sem a ânsia revolucionária de Godard ou a intensa pessoalidade de Truffaut, o diretor se distingue pela paciência. Desprovidos de tramas, seus filmes geralmente se comportam como se extraídos de calhamaços literários – a quadrilogia “Contos das Estações”, por exemplo, poderia formar quatro tomos de um grande romance –, narrativas concentradas em personagens e seu cotidiano, muito mais próximas de um fluxo de consciência. São, portanto, considerados cansativos e tediosos, verdadeiros desafios para o padrão drive thru de atendimento. E talvez sejam, arrisco dizer. Mais do que qualquer outro, seu cinema parece estar sujeito a uma espécie de preparação do espectador, o “momento certo”, como acontece com vários livros. Não por coincidência, Rohmer foi professor de Literatura em Paris.

Nathaniel Hawthorne e Virginia Woolf, entre outros escritores, parecem honrados pela filmografia de um autor que usa a câmera para escrever. “Gosto que meus filmes sejam revistos como se relê um livro. É a parte de escritor que tenho em mim”, disse uma vez. Elementos internos são recorrentes na obra do cineasta, tais quais questões morais e emocionais, princípios, crises de meia idade, relação entre indivíduo e sociedade etc. Nada que combine com óculos 3-D, evidentemente.

Texto publicado no jornal O Popular, edição de 23 de junho de 2010.

*post escrito ao som de Charles Trenet - "La Mer"

terça-feira, 8 de junho de 2010

Fúria de Titãs (2010)



Foto: Liam Neeson, ator brilhante.

Poucos filmes deste ano serão tão bregas quanto Fúria de Titãs. O remake do filme de 1981 é tão B-regão que chega a ficar engraçado a partir de certo ponto. Orçamento é A, resultado é B.

Como acontece com a maioria das produçõezonas atuais, há tanto cópias 3-D quanto as agora “normais” 2-D. A recomendação é optar pela versão tradicional, pois o filme não foi planejado para a imagem em três dimensões, tendo sido convertido posteriormente. É falsa, trapaça, caô, o já disseminado “3-D fake”, talvez resultando em experiência triplamente B. Se nem o 3-D de raça vale seu preço, imagine um feito às pressas para lamber a fatia gorda desse mercadão que pula nos olhos. O Último Mestre do Ar, de Shyamalan, também é falso.

Perseu (Sam Worthington) é fruto de uma das várias trepadas de Zeus (Liam Neeson) com humanas e teve seus pais de criação vitimados por um ataque de Hades. Por causa disso, recusa ajudas divinas, negando a metade endeusada do sangue. É o drama de comprimido do filme.

Como no original, o semi-deus precisa passar por vários obstáculos mitológicos para, então, ser capaz de derrotar o Kraken, besta gigantesca criada por Hades (Ralph Fiennes, mais comentário sobre ele daqui a pouco) e sinônimo de destruição via CGI, dentes e grito. Acompanhado por guerreiros mortais (um deles é Mads Mikkelsen, que demorei a reconhecer por causa do bronzeado de frango assado), Perseu encontra escorpiões gigantos, mortos-vivos com luz neon azul de carro tunado, bruxas, uma Medusa gostosa e um Pégaso negro.

É bem ruim, mas ao mesmo tempo é uma senhora piada orçamentária que só vendo. O primeiro já tinha lá essa breguice, toda legal num começo de década de 80 com as charmosíssimas animações de Ray Harryhausen (e lembro de uma luz azul atrás de Laurence Olivier), mas aqui dá pra entrar em ebulição de tanto rir com essa gente graúda interpretando deuses.

Worthington faz bem seu papel de boneco de ação, herói de plástico perfeito pra essa correria meio new wave (vide trailer, vide trilha) com pelo menos uma cena de ação decente envolvendo um artrópode gigantesco. Mas Liam Neeson e Ralph Fiennes, que be-le-zu-ra esses dois, ótimos como imortais poderosos, só que menores diante da extravagância visual. Com armadura RELUZENTE BRILHANTE LUZES LUZES ARRASO, o Zeus de Neeson parece uma Lady Gaga do Olimpo. E um abraço para Ralph Fiennes, que praticamente interpreta uma pomba preta, urubuzão das trevas. Difícil não olhara para o Hades de Fiennes e não pensar em macumba.

Com o longa em cartaz ao lado do filme de mulherzinha que é Sex and the City 2, o público pode escolher o que há de pior entre os gêneros masculino e feminino na atual oferta de cinema. Mesmo espalhafatoso, Fúria de Titãs seria a típica opção para filme de hominho, pois herói bate no monstro, pega a mina no final e os dois saem no Pégaso Lamborghini. Porrada, mulher e carro. Pacote completo, pôr-do-sol incluído.

*NÃO postado ao som de Lady Gaga.

domingo, 6 de junho de 2010

Do começo ao fim




Troca de twitts com o @chicofireman (blog: http://www.interney.net/blogs/filmesdochico/) me fez lembrar dessa joçona aqui.

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Aluizio Abranches, aonde é que você vai com esse comercial de margarina baseado em homossexualidade incestuosa?

Até o momento, Abranches não fez nada de muito expressivo. Seus Um Copo de Cólera e As Três Marias não chegam a ser exatamente ruins, são pelo menos filmes, ainda que perfeitamente nulos em si mesmos. Papel de Abranches no Cinema (brasileiro e geral) era indiferente, situação que parecia ser até vantajosa depois de ver Do Começo ao Fim, negação de cinema em todos os aspectos.

Com a exceção dos tradicionais filmes da Xuxa, Abranches conseguiu aqui o que pode ser a maior catástrofe do Cinema brasileiro desde A Cartomante (2004), de Wagner de Assis e Pablo Uranga. Sensação de vergonha alheia é constante, resultado de um todo imensamente ridículo capaz de fazer o filme dar cambalhota e se tornar algo morbidamente divertido. Um feito.

Do Começo ao Fim acompanha relação homossexual entre dois irmãos por parte de mãe. Reciprocidade do interesse sexual é notada desde a infância dos garotos, Abranches esfregando pistas nas nossas caras, com direito a piada de “um pintinho e um pintão”. Esses meninos são inacreditavelmente irritantes e atuam como se lhes tomassem tabuada, uma canastrice monstro devidamente respeitada em suas versões adultas, onde até “saudade” vira palavra engraçada de se ouvir. Um casting muito único em sua lambança.

Intenções de Abranches parecem ser as melhores possíveis. No seu mundinho muito particular, defende vida normal, feliz e ideal para homossexuais, sejam eles irmãos ou não. Dedica o filme aos pais, dando a essa joça uma cara de “pais do mundo, sejam assim que tudo vai dar certo, ok?”

No filme, os pais são Júlia Lemmertz e Fábio Assunção, cada um tentando esconder a vergonha como pode, ele com menos sucesso, já que possui mais tempo de cena. Já Lemmertz, além de vergonhoso Pergunta-Resposta num sofá, tem uma primeira cena engraçadíssima, com a atriz chegando de branco em câmera lenta branca na casa imaculadamente branca, abrindo os braços brancos para receber os filhos. É um filme branco em toda sua brancura, como se fosse cenário para a Monange.

Pais compreensivos; família em que é simplesmente OK uma criancinha falar de sexo na mesa do almoço; pai conselheiro sobre a relação homossexual-incestuosa entre seus filhos (pessoalmente e via Skype); a mãe ainda com ótimas relações com o ex-marido argentino rico; e todos eles jantam juntos; são bonitos, atléticos, ricos, um é médico, são cultos que lêem Hilda Hilst um para o outro... Até o piano da trilha sonora retardada é compreensivo. Oi?

É uma visão tão ideal que chega a ser bizarra. Não porque seja inaceitável ou impossível (embora improvável), mas porque é passada como o sonho amador de um diretor ruim que nem se dá ao trabalho de conseguir um montador que conheça outra opção além do fade. Forte impressão de que até um períneo – aquela área bem próxima a certos começos e certos fins – teria feito coisa melhor.

@fabridoss

Filme visto nos Cinemas Lumière
Shopping Bougainville, Janeiro/2010 - Goiânia, GO

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Império dos Sonhos




Inland Empire, de David Lynch, surgiu numa conversa de bar. Um desses filmes em que definitivamente me expresso melhor com letras e teclados. Vi o filme apenas uma vez, no cinema, final de 2007. O texto abaixo é o que escrevi assim que voltei da sessão.

Uma mulher com problemas

Quando questionado sobre seus filmes, David Lynch às vezes “explica” resumindo-os em poucas palavras. Sobre Império dos Sonhos, disse tratar-se de “uma mulher com problemas”, síntese impressa em cartaz. É vago, mas parece fazer todo um sentido. Se me lembro bem, temos em Cidade dos Sonhos, por exemplo, basicamente uma aspirante a atriz que busca satisfação (profissional, sexual, social...) nos sonhos, e Eraserhead comporta-se como bela e perturbadora obra sobre paternidade precoce – experimentada pelo próprio Lynch, por sinal, gerando trabalho de extrema pessoalidade.

Por mais que seja um cineasta de distorção, Lynch encontra-se numa arte que tem Hollywood como uma de suas principais estruturas, e filma para e sob esse tipo de produção, não obstante seu tato crítico. Cidade dos Sonhos já escancarava esse olhar, e Império dos Sonhos parece abrir o diafragma. Talvez a longa duração de três horas seja para permitir o maior número do tudo que o Cinema (e mídia) tem a oferecer ou ofereceu a Lynch, que por sua vez desdobra tais experiências e transforma em multi e metalinguagem. Triálogo artista-mídia-espectador me trouxe Michael Haneke à cabeça em alguns momentos.

Com 30 minutos, Império dos Sonhos já apresenta uma série de mídias visuais diversas. Nessa primeira meia-hora, Lynch inaugura-se em digital, mas também revisita texturas, estilos, estruturas, (sub)gêneros, enfim, um mais completo filmar e narrar. De noticiários a filmagens cinematográficas, somos convidados a observar breves releituras de sitcoms (na verdade, Rabbits, mini-série que Lynch fez para seu website há alguns poucos anos), pinturas, gravações em vídeo, talk shows (“Sonhos fazem estrelas, e estrelas fazem sonhos!”), remakes e até mesmo lendas da indústria, como os famosos “filmes amaldiçoados”. Maior parte dessa intimidade com o narrativo-visual reside nesses primeiros trinta minutos, mas segue com musicais e marcas de cigarro, as chamadas “cigarette burns” usadas nas películas para indicar o momento de trocar os rolos, de modo que também age como outro “mero” link com Rabbits.

Com uma hora de filme, ou pouco mais, a personagem da Laura Dern (superfodona, minha nossa!) tem o clássico surto de misturar ficção e realidade, ou “realidade”, uma vez que Império dos Sonhos passa a impressão de enlaçar-se em quatro, cinco ou mais dimensões, a começar pela garota do início, que assiste ao(s) filme(s) em seu quarto e depois nota-se como personagem. A princípio, a narrativa de Dern limita-se ao espacial, mas toma rumo espaço-temporal na conversa com a sinistra vizinha: Lynch usa uma imprecisa câmera na mão para filmar a velha, mas um sólido enquadramento fixo para Dern, estabilidade visual que só é abalada quando a vizinha diz que ela pode enxergar o amanhã. Cena em que atriz lê uma determinada passagem de roteiro parece criar-se como uma das razões de ser do longa.

Nikki Grace e Susan Blue, atriz e personagem (ou seria o contrário?) interpretadas por Dern. A oposição dos sobrenomes é evidente, e não poucas vezes Lynch tenta clarear a fantasia, desferindo fortes iluminações de holofotes (ou representações, como postes, o sol, a iluminação do título na abertura) em direção a Dern. Tudo uma farsa, portanto, poderíamos assim encarar. Brian De Palma dizia que “Cinema é mentira, e a câmera mente 24 vezes por segundo”.

A webseries Rabbits que pontua o filme, e um exemplo de desintegração por si só, meio que resume tais impressões. É, sobretudo, uma rápida união artística, formatos de pintura, teatro e TV envolvidos por aquele mistério sombrio que é tão caro ao cineasta. Em Império dos Sonhos, a série laboratorial, espécie de “ligue as falas corretamente” com três atores fantasiados de coelho, é literalmente invadida (por Dern, por nós, por Lynch, pelo filme...), o que parece sugerir todo o contexto de uma metalinguagem extrema que só tende a aumentar.

Não parece haver aqui um “filme dentro do filme” exatamente, mas filmes dentro de filmes, mídias inseridas em mídias, do singelo ao bizarro e avante. Num Cinema da mais pura intensidade – e de imersão – como o de Lynch, esse extremo e extenso olhar sobre o que foi feito e o que se pode fazer com uma câmera, uma gravação, revela contornos de uma peculiar homenagem. O desfecho, enfim, capaz de relembrar comentários internos do filme, não apenas soa, mas canta como celebração que talvez seja. À sua maneira, Lynch celebra o meio ao qual pertence, e tem, nesse meio, um lugar só seu.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Robin Hood



Robin Hood de Ridley Scott e Russell Crowe fica entre aquele filme do Didi e a versão com Kevin Costner.

Na mais recente parceria entre Russell Crowe e Ridley Scott, o ator interpreta Robin Hood antes dele se rebelar contra o reinado inglês e virar um fora-da-lei de papel pregado em tronco de árvore. Inícios de lendas despertam interesse, mas essa dupla transforma filme e personagem numa espécie de Robin Maximus Hood. De repente, no meio da projeção, você percebe que é mais fácil enxergar Robin Hood em Kevin Costner do que em Russell Crowe, e isso diz muita coisa.

Como tem sido tradição nos últimos anos de Cannes, em que filmões fazem a sessão de estréia, Robin Hood foi a grande produção que serviu de abertura para o Festival. Taí uma sessão que gostaria de acompanhar, pois, no filme, franceses são escrotinhos, contratam traíras e depois se fodem. Mas o vilãozão mesmo é o inglês Godfrey (Mark Strong, presença), quase um Darth Vader medieval sob sua capa preta. Ei, se um cara não se importa em comer uma ostra com sangue de outra pessoa, ele só pode representar o chefão final.

Temos aqui a típica produção simplesmente GRANDE que se comporta como um paquiderme mecânico, desde batalhas inexpressivas programadas no automático às várias tentativas daquele humor de confeitaria, bem comum na Hollywood pejorativa. Enquanto Robin parece andar acompanhado pelos Três Patetas, o filme encara parte da relação com Marion como se fosse uma sitcom, oficializando o casal com um “eu te amo” pronto depois de cozinhar por três minutos (mas sem o pozinho do tempero). Alguém precisa avisar a Cate Blanchett que ela é melhor que essas coisas que ela tem feito.

Os épicos de Scott parecem ter saído de uma página de classificados. A impressão geral é que dá pra misturar cenas de Gladiador, Cruzada e Robin Hood numa sala de montagem e o resultado sempre será essa feira de decoração de interiores medieval. É um diretor nascido na publicidade, assim como seu irmão Tony, capaz de usar filtro azul pra coar café. Esse apelo visual digno de anúncio transborda na batalha final, fazendo de Robin Hood o mais longo comercial da Nike. A última flechada, filmada com perfeição publicitária, pede um “Just Do It”.

*post escrito ao som de Radiohead - "Just"

quarta-feira, 26 de maio de 2010

LOST




Direto ao ponto divisor: gostei do final de Lost. Nem que seja pelo maravilhoso arco dramático do protagonista.

De acordo com o comportamento da série durante seus seis anos, talvez haja certa ingenuidade por trás da cobrança de um 100% nas respostas, ou, ainda mais longe, de um final esclarecedor (seasons 2 e 3, as mais frágeis, chegavam a ser bem chatas nesse aspecto: nunca era a hora de responder nada). A verdade é que, como conclusão, o desfecho é bem claro na explicação, ocorrida durante o último diálogo do show. É nesse ponto que entra a satisfação ou insatisfação em relação ao final que cada um esperava ou, pior, queria, uma situação-balança a qual todo seriado está sujeito, em maior ou menor grau. Nesse sentido, diria que há um tanto bom de coragem aqui.

Como se percebe nas rápidas matérias de internet e no ainda mais ligeiro Twitter, a season finale da série mais coqueluche dos últimos anos terminou em controvérsia, desagradando um punhado de fiéis seguidores que não deram unfollow entre uma temporada. Com a falta de respostas sendo a maior queixa, Lost parece dividir um mesmo palco com Matrix (um outro show que investia num mix entre sci-fi e simbolismos religiosos) no que se refere a conclusões versus expectativas. Como a trilogia, será eternamente comentada e teorizada a vácuo, e, não somente por isso, devidamente consolidada na cultura pop.

Entre as marcas de Lost estão inesperadas alterações na estrutura narrativa (há flashbacks, flashforwards e flashsideways), a mitologia própria e, não menos importante, a transição entre elementos religiosos e de ficção científica, muitas vezes em forma de embate. Conceito de viagem no tempo é abordado modo interessante no programa, com idas e vindas que, somado àquele pezinho no fantástico, parecem ter criado uma série em Present Perfect. É até notável, portanto, que tanto investimento em mistério resulte num último episódio carregado no emocional, podendo ser comparada à finale de A Sete Palmos.

Interpretados por gente boa desde o começo (Matthew Fox, Terry O’Quinn, Michael Emerson) ou que evoluíram a cada temporada (Josh Holloway, melhor exemplo), temos aqui personagens principais que foram bem estabelecidos no decorrer de seis anos. Todos estão concentrados num capítulo com assumido ar de despedida que também deve muito ao compositor Michael Giacchino (sua trilha para a série é dos melhores cartões de visitas que alguém poderia ter). Também é presente uma curiosa sensação ecumênica, para dizer o mínimo, o que, somado ao último diálogo, parece sugerir em Lost uma série sobre o lidar com a morte.

Esse “lidar com a morte” foi apontado por um amigo, e o encerramento pesa muito nesse sentido, de fato. Novamente, ecoa a jóia que é a sequência final de A Sete Palmos. Mas também me fez pensar em Umberto Eco dizendo que uma das principais funções da Literatura é a educação para a morte.

p.s.: meus incômodos não estão na falta de explicação aqui ou ali, mas em não entender como uma série faz uma puta abertura em 2005 e, cinco anos depois, apresenta cenários, rolhas de rocha, cavernas, luzes e pedras aparentemente tiradas de um filme da Xuxa. porralost.tumblr.com!

*post escrito ao som de Radiohead - "Everything In Its Right Place"

terça-feira, 18 de maio de 2010

Ian Curtis



Ian Curtis
1957 - 1980


Em homenagem aos trinta anos da morte de Ian Curtis, favor assistir aos filmes Control, de Anton Corbijn, e 24 Hour Party People, de Michael Winterbottom.

O que mais senti em Control foi uma obra versando sobre a precocidade em vários sentidos: amor, casamento, filho, banda, sucesso, pensamentos, morte etc, e como isso era refletido no Curtis e pelo Curtis. É um belo deprê em preto e branco, cores que parecem sintetizar a memória que temos de Joy Division. Faz ótimo contraplano com 24 Hour Party People, em que Winterbottom reserva espacinho carinhoso para Curtis e banda.

*post escrito ao som de Joy Division - "Love Will Tear Us Apart".

Homem de Ferro 2




Robot rocks.

Diversão é a meta atingida pelos dois Homem de Ferro dirigidos por Jon Favreau, mas que não se preocupa muito em ir além disso. Na ação, Favreau se limita ao satisfatório, sem conceber nenhuma grande cena digna de lembrança para um personagem de quadrinhos que tampouco enfrenta algum inimigo interessante. Homem de Ferro 1 e 2 são filmes de ação perto da linha mínima de exigência de produções de grandes estúdios.

No segundo filme, outro engenheiro militar pretende produzir seu próprio exército de ferro, a ser vendido para as Forças Norte-Americanas. É interpretado por Sam Rockwell, a melhor adição de um casting que mais se gabou de ter Mickey Rourke, Samuel L. Jackson e Scarlett Johansson no elenco, sendo estes dois últimos um exemplo de desperdício (Johansson gerou miniatura 1:6, com decote). Rourke, vilão físico da vez, parece interpretar outro lutador de Telecatch e continua chamando atenção como figura excêntrica – de todo modo, tem sido simplesmente bom pra porra vê-lo na tela.

Cena de introdução de Rockwell serve para complementar o showman (oni)presente em Stark, mas também para reforçar a idéia de produto em relação ao exoesqueleto. Ainda que de maneira simples, o longa volta a investir no conceito armamentista no qual Homem de Ferro se insere bem, considerando as implicações de uma criação dessas. Nesse sentido, fica atrás do primeiro, em que bons 40 minutos são usados com Robert Downey Jr. em meio a ferro, soldagem, terroristas do oriente médio... pacote completo.

Robert Downey Jr é, por sinal, uma vantagem muito importante, da qual, sejamos justos, Favreau constrói certa leveza que resulta no que há de melhor em seu(s) filme(s). Homem de Ferro pode se aproximar de Robocop em alguns conceitos, mas aqui, numa cena de briga robótica que Favreau leva longe o bastante sem tocar no ridículo, temos evidência de que está mais para Daft Punk. Yeah, robots rock.

Um dos produtos Marvel de maior rendimento na bilheteria, Homem de Ferro sem armadura parece ser próximo de Batman, o mais lucrativo da rival DC. Bruce Wayne e Tony Stark são órfãos herdeiros de herança paterna, donos de empresa multimilionária, ricões egocêntricos e narcisistas que acabam virando (super-)heróis não exatamente por poderes, mas porque tem dinheiro pra bancar título e parafernálias. Diferem, porém, no sentido de que a faceta mais escrota de Wayne é disfarce, e a de Stark, assumidamente genuína. E Downey Jr. se esbalda.

Com algum eco de Johnny Depp e seus Piratas do Caribe, temos aqui ator dos mais inesperados para representar um herói de quadrinhos e liderar uma franquia blockbuster. O sucesso desse imprevisto tão inspirado parece agravar ainda mais a ausência de vilões menos comuns. Ironicamente, o personagem narcisista tem o filme só para si, fácil.

Desde quando fez clipe para Elton John, Downey Jr. nunca esteve tão associado ao cool. O homem anda top, de uma matraquice segura e empolgante, atuação prazerosa a ponto de ser melhor que os dois filmes juntos. Talvez seja a primeira adaptação de HQ em que há mais interesse em ver o herói sem armadura.

Filme visto em Maio/2010

*post escrito ao som de Daft Punk - "Robot Rock".

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Cão Sem Dono




Depois de três filmes mais centrados em violência, Beto Brant tem estado mais introspectivo. Brant sempre foi um ótimo intruso de locações, com um belo tato pra trabalhar personagens em lugares de verdade. Seu O Invasor é um dos melhores exemplos desse cinema entrão.

Agora Brant não só filma lugares reais, mas gente que parece ter nascido, bebido, comido e trepado neles. Cão Sem Dono atinge um máximo de naturalismo em sua obra, com personagens baseados em livro e pessoas, que por sua vez podem ser baseadas nesses papéis, pois parecem ser uma coisa só. Eu (re)conheço esse povo, um por um, fala por fala, INT. por INT., EXT. por EXT., FADE por FADE.

Ciro é formado em Literatura e consegue alguma pouca grana como tradutor de russo. Mora de aluguel num pequeno apartamento sem muita coisa além das paredes. Sua mesa é uma dessas branquinhas de metal, de boteco. Seu telefone é um orelhão pichado. Bebe, fuma, não toma café da manhã e meio que adota um cachorro “amigo”. Enfim, um brasileiro.

Mantém contato com os pais, que o ajudam como pode. Seu laço de maior amizade parece ser com o porteiro do prédio, mas cria química mesmo é com uma guria modelo gente boa (Tainá Müller, muito boa, muito boa), a literalmente começar pelo sexo e a se desenvolver aos miligramas, podendo ou não se revelar importante. Enfim, uma relação.

São todas pessoas desse mundo, o conjunto câmera-roteiro-fotografia-atuações nos garante. A impressão é de que Brant filmou um RG de cidadania brasileira e residente em Porto Alegre. Embora seja um tipo intelectual de considerável sensibilidade artística (livros, música, pinturas em jornais), Ciro parece ter emoções embaralhadas, dividindo certa semelhança com o personagem de Marco Ricca em Crime Delicado. Julio Andrade constrói nele uma figura lenta e pacata, sensação de constante estado de sonambulismo espaçada por uma série de fades que parece dar esse mesmo ritmo ao filme, e digo isso no melhor sentido. Entre tantos fades, Ciro não tem o que fazer além de aceitar, mas o último fade out é escolha só dele.

O cachorro também é muito de verdade.

*post escrito ao som de Florence and the Machine - "Dog Days Are Over".

domingo, 25 de abril de 2010

50 anos de Psicose


Imagem: Marion Cotillard no Especial Hitchcock da Vanity Fair.


Psicose completa 50 anos em 2010. É tido como clássico absoluto de Alfred Hitchcock, um desses que alcançaram imortalidade via cinema com mais um bom número de clássicos, alguns não menos absolutos. Sem qualquer intenção de homenagear o cinquentenário, pude revê-lo há algumas semanas, depois de algum tempo distante.

Essa distância ajuda a observar como muitas vezes um clássico “obrigatório” se comporta como tal simplesmente por sua existência. A força e presença de Psicose no Cinema são tamanhas que muitos já assistiram ao filme sem de fato sentarem e vê-lo numa tela, seja de Cinema, TV ou PC. Pessoas assistem a Psicose em película, digital, em comentários, em textos, em clipes da famosa cena do chuveiro... É um filme visto, de alguma maneira.

Hitchcock já filmara Festim Diabólico, Pacto Sinistro, Janela Indiscreta e tinha acabado de fazer Intriga Internacional e Vertigo, dois de seus tops. Sempre tive a impressão de que, caso Alfredão já não fosse famoso, Psicose seria mais cult do que hit. Um desses "a serem descobertos" e indicados por certas cenas específicas com a empolgação de quem encontra ouro puro nos cantos das videolocadoras. Que atmosfera a desse filme, hein, seu Hitch.

Cenas finais, com revelação do rosto da mãe de Norman Bates, são acompanhadas de um humor deveras estranho. Poucos filmes conseguem ser tão surtantes em seu desfecho e ainda ser levados completamente a sério. Não menos brilhante, Psicose estaria confortável em alguma midnight session, perfeitamente sólido como Cinema.


*post escrito ao som de "Psycho Killer" - Talking Heads

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Como Treinar Seu Dragão




Dragão dócil, filme meio rebelde.

A figura do dragão é uma dessas que parecem atrair pessoas de qualquer canto do globo. Existe em ampla mitologia, do bíblico ao oriental, tendo encontrado forte reforço em tatuagens e jogos de RPG. Um tipo réptil alado, dragão virou sinônimo de poder e intimidação, com algo estranhamente sexual no meio. Como muitos outros seres (mitológicos ou não), o dragão é visto pelo Cinema como bonzinho ou vilanesco. O de Como Treinar Seu Dragão, animação da DreamWorks, revela-se do bem.

Em primeira mão, o filme oferece exatamente o que se espera: relação amistosa entre um dragão e um humano, também recorrente no Cinema. Melhor exemplo talvez seja o primeiro A História Sem Fim, em que um garoto voava sobre um dragão-cachorro felpudo e amigão. Entre os piores temos Coração de Dragão (aquele com dublagem de Sean Connery lá e Miguel Falabella aqui) e o recente Eragon, um desastre. A lógica mostra que jovens no meio geram possível amizade entre as duas espécies.

A amizade em Como Treinar Seu Dragão é bem construída, com boas introduções e uma paciência relacionada a estudo e aprendizagem na relação entre o menino carismático Soluço e o pequeno dragão poderoso Banguela. Contra todas as expectativas (incluindo as do pai, dublado por Gerard “Só Faço Papel de Guerreiro Truculento ou de Apaixonado Retardado” Butler), o garoto aprende na unha e na escama a como tratar dragões em vez de matá-los (a princípio, são ameaça), um costume da ilha viking do filme, que treina caçadores ainda crianças. Existe até um viking gordinho nerd, armado com informações numéricas. O humor aqui é dos bons.

Esse exercício de ternura trabalha a domesticação de maneira bem aceitável. As criaturas são bizarro-fofuras que tendem levemente ao dócil. Tanto em design quanto em trejeitos, Banguela é xerox do alienígena Stitch de Lilo e Stitch, só que em versão alada. São os mesmos diretores, Dean DeBlois e Chris Sanders, então a associação é certeira e não há crime. DeBlois também dirigiu Heima, longa sobre a banda Sigur Rós, praticamente um desses filmes-pra-DVD, mas maravilhoso de um jeito quase espiritual não-maculelê. Surreal pensar nisso, mas, de certa forma, até que Sigur Rós daria o tom para a animação (vide créditos finais).

Visual geral de Como Treinar Seu Dragão é digno de atenção especial. A consultoria do diretor de fotografia Roger Deakins (colaborador dos irmãos Coen) parece dar mais textura do que a própria máquina de venda atual que é o 3-D. As imagens destacam a terceira dimensão, mas a luz dessa animação é uma coisa. Sequência de ação final é um espetáculo a parte nesse sentido. Contudo, é engenhosa não apenas na grandiosidade e beleza, mas também como clímax de um peso dramático trabalhado e carregado até o fim, quando já abraçamos voluntariamente o ideal de amizade representado por dragão e menino protagonistas. Dessa sequência vem conseqüência, uma porção de ousadia para distinguir a animação com uma lição acompanhada de duro aperto. Pode haver choro.

* post escrito ao som de "Pedaço de Mim" - Chico Buarque.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Treme




All that jazz

Para aqueles que dividem a cinefilia com a sériefilia, fica a dica de priorizar Treme, mais recente criação de David Simon transmitida pela HBO. É situada em New Orleans, três meses após o furacão Katrina atingir e resumir boa parte da cidade em desperdício, deixando expressões derretidas em moradias e rostos.

A princípio, Treme deve chamar a atenção do público que conhece The Wire, obra-prima de David Simon e série nº 1 da lista de obrigações do que foi feito para a TV nesse formato. Se The Wire é um senhor mapeamento de Baltimore com o crime como eixo, primeiro episódio de Treme parece indicar um belo traçado de New Orleans, mas com eixo cultural. Ninho de sonoridade jazzista, a cidade abriga músicos diversos que formam o centro de personagens. Treme é o bairro do qual ficaremos íntimos.

Brilhos hipnotizantes, abertura e encerramento do episódio definem bem o clima de alegria e melancolia que deve dominar um TV-show de intimidade entre pessoas, música e uma cidade de joelhos. Pelo olhar sempre interessante e interessado de Simon, prevejo construção de uma preciosidade.

*A trilha é uma jóia. Dá vontade de jogar Trumpet Hero.

**Wendell Pierce (o “Bunk” de The Wire), Clarke Peters (Lester em The Wire) e Steve Zahn integram o elenco. Há também participação especial de Elvis Costello no primeiro episódio.