quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Colegas


Tudo bem, eles tem Down

Assisti a Colegas durante a Mostra O Amor, a Morte e as Paixões, há pouco mais de duas semanas. O vencedor do Kikito de Ouro do Festival de Gramado deste ano teve uma sessão especial com muitos convidados e as presenças do diretor Marcelo Galvão, do produtor e de parte do elenco, incluindo Juliana Didone. As maiores estrelas, porém, foram Rita Pook e Ariel Goldenberg, portadores de Síndrome de Down e casal protagonista do longa.

Essas exibições são sempre antecipadas por cerimônia e apresentações. Ainda que não tenha nem dois minutos de cena, Didone se referiu à sua personagem, uma repórter, como "meio ambígua"; Goldenberg pediu a todos que gritassem "Vem, Sean Penn!" em auxílio à sua campanha para trazer o ator hollywoodiano, de quem é fã, à estreia do filme; Nill Marcondes, ator nascido em Goiânia, fez declaração das mais emocionadas, a sala do Lumière Bougainville cheia de familiares, um momento bonito. Existe essa boa vontade do e com o filme que é sentida desde Gramado.

O diretor Galvão também falou. Disse ser um filme igual a qualquer outro e que apenas por acaso é protagonizado por portadores de Síndrome de Down, pois o longa supostamente não os veria como deficientes. Muito simpático, deu a entender que, para ele, este seria um dos grandes trunfos. Legal, a intenção.

Sessão terminada, saio atropelado por dúvidas. Estaria ali um filme tão desonesto, de modo que sua razão de ser reside na exploração da relação dos espectadores com a Síndrome de Down? Penso até que Colegas deva ser visto para levantar a bola e qualquer um se arrisque a cortar. Não deve ser difícil, pois há interesse pela produção, que tem lá sua força popular, sobretudo no carisma de Ariel e Rita, que, ao lado de Breno Viola, interpretam um trio de Downs fugitivos do instituto em que vivem.

Com uma paixão pelo cinema e pela videoteca do lugar, são inspirados por Thelma & Louise (1991), o filme de Ridley Scott em que Geena Davis e Susan Sarandon fogem de carro pela e para a vida. O personagem de Ariel se chama Stalone e conhece falas clássicas de seus títulos preferidos, entre eles Cidade de Deus.

Na maior parte do tempo, Galvão dirige essa história com a leveza de um parquinho. Seria uma "comédia emocional", muito embora existam momentos mais pesados que, de tão contrastantes e bruscos, surgem destrambelhados. Duas cenas alguns níveis acima na violência me pareceram muito mal executadas e montadas, extremamente desintegradas do todo. Ok, acontece.

O maior incômodo, contudo, talvez seja de ordem moral, principalmente se considerarmos a apresentação de Galvão antes de a projeção exibir o que acredito ser uma série de contradições em relação ao seu depoimento.

Após a fuga, o trio de Colegas se dedica a aventuras que envolvem roubos e assaltos, para não dizer ameaças. De lugar a lugar, munidos de armas e sonhos, chegam a construir certa carreira criminosa.

Numa dessas cenas, o papel do goianiense Marcondes se revela um atendente de lanchonete extremamente caricato em sua sexualidade, deixando aquela sensação de que é colocado na tela apenas com o intuito de fazer do outro uma piada. "Riam disso, de como ele é", assim sua primeira aparição tem logo a nos dizer.

Colegas passa a impressão de mirar uma brincadeira com filmes de assalto-e-fuga (na abertura, o trio usa máscaras) e acerta não sei exatamente onde. Temos aqui crimes contra lojas de conveniência, lanchonetes de estrada e até mesmo artistas de rua, situações vistas com alegria e diversão pelo filme, feitas para rir. Enquanto se metem em aventuras e "altas confusões", o diretor do Instituto, interpretado por Lima Duarte, acompanha pela TV e vibra ao lado dos outros residentes, torcendo pelos amigos.

As cenas um tanto agressivas, problemáticas por si só, não hesitam em mostrar sangue, mas não tardam em retornar a chavinha de energia para o cômico. A dupla de policiais é um clichê, dois parvos escritos para serem passados pra trás, o valor de seus questionamentos sendo, portanto, reduzido a quase nada. Por mais reprovável que isto ou aquilo possa ser, o tom geral é de que "eles tem Down, então tá tudo bem." Não teríamos, deste modo, uma ratoeira jogada ao espectador?

Tratada como um escudo mágico, a Síndrome de Down parece ser, por fim, usada para imunizar tudo o que é visto no filme, que tem de encarar aos tropeços essa sua escorregadia ideia de inocência. Complicado.

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