domingo, 26 de fevereiro de 2012

Oscar 2012



Nada de apostas para o Oscar deste ano. Sem muita paciência. A premiação acontece hoje à noite e talvez seja, desde que passei a acompanhar anualmente, lá na minha mais jovem adolescência, a única em que ainda não vi o franco favorito. O Artista, provável grande vencedor do evento, não estreou nos cinemas de Goiânia.

O filme - mudo, francês, de Michel Hazanavicius, aparentemente um feito muito bonito e interessante - não conseguiu uma sessão que seja na cidade, apesar de suas 10 indicações ao ouro de Hollywood. Talvez aconteça depois de ganhar seu quinhão de estatuetas, mas ainda assim um talvez. De todo modo, parece ser um filme capaz de se estranhar com a massa dos plexes de shopping. Uma pena.

O Homem que Mudou o Jogo (concorre a Filme e outras categorias) e Drive (Refn levou Direção em Cannes e concorre em Som no Oscar) também não ganharam salas por aqui. São filmes que, de uma forma ou de outra, alimentam a cada vez mais preciosa vontade de serem vistos primeiramente no cinema (porque os filmes estão aí, simplesmente... "aí"), desejo dependente de distribuição, de mercado. Goiânia ainda tem dessas.

Meia-noite em Paris já é um dos meus Woody Allens favoritos e já falei dele aqui. Filme de escolhas e de amores, bem ao gosto de seu autor. Dentre os indicados a Melhor Filme que vi, é o meu preferido.


A Árvore da Vida me parece ser o tipo de filme que pode melhorar na revisão, embora seu aspecto glutão, de querer demais uma imensidão de ambições, seja muito forte. Gosto mais do que desgosto, tendo um pequeno prazer de (tentar) enxergar nele uma obra muito mais simples, sob um olhar ousado pelo qual tenho respeito.

Alexander Payne não me disse muita coisa dessa vez. Quando vi Sideways, visualizei tendo o DVD aqui em casa (e tenho). Quando vi Os Descendentes, no cinema, dei um sorrisinho (porque o filme é, no fim das contas, agradável; mas uma sombra também é agradável) e voltei pra casa pensando em como Payne resolveu arranjar dois ou três liquidificadores para suas mensagens, lições, metáforas etc. Mas gosto de Clooney ali.

Quanto a Cavalo de Guerra, acho que sou um dos poucos que gostam muito do filme, um dos Spielbergs mais rejeitados desde O Terminal, pelo visto. Spielberg, grandíssimo autor, emulando Ford, pintando um céu de E o Vento Levou, passando a figura do judeu, do excluído, para o corpo equino, e filmando tudo isso com boa parte da sua capacidade de impressionar. Bom demais. Tenho mais imagens de Cavalo de Guerra na cabeça do que de As Aventuras de Tintim.

E, por fim, ao menos consegui assistir a A Invenção de Hugo Cabret legendado, o que parece ser um tipo de cópia não tão fácil de ser encontrada na distribuição brasileira. Antes da sessão, todos os trailers eram dublados, deixando sempre aquela sensação de que, por mais bem produzidos que sejam, é como se a dublagem te vendesse filmes amadores. Scorseses dublados? Prefiro que fiquem no zoológico.

* por uma questão de registro, digo aqui que gosto mais de Millenium - O Homem que Não Amava as Mulheres do que qualquer um aí de cima. Mais um Fincher pelo qual sou apaixonado.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O Fantasma do Paraíso e ir ao cinema



Uns pensamentos rápidos.


  • Estou devendo um segundo post sobre os meus recentes reencontros com De Palma. Tinha muita coisa apaixonada que eu queria ter colocado aqui logo depois de ter revisto este ou aquele filme (como Carrie e aquela fúria toda) e acabei deixando de lado. Mas hoje vi um De Palma que eu estava devendo: O Fantasma do Paraíso, uma delicinha de 1974. É um mix de Fausto, de Goethe, com O Fantasma da Ópera, só que como musical 60's/70's. Assim que acabou, o que eu mais queria era ver isso antes ou depois de The Rocky Horror Picture Show (o personagem Beef teria passe livre entre os dois filmes). Eu gosto do De Palma brincalhão (Dublê de Corpo), e aqui ele parece chegar em certos playgrounds antes que o Dario Argento, por exemplo. Tem lá seus pontos baixos (o show antes de Beef é chatinho), mas tem vários momentos que passam perto de fascinar como muitos De Palmas conseguiram. O Phantom é muito bom. Dá vontade de ter aquela fantasia.
  • Revi The Girl with the Dragon Tattoo, terceiro pedação de thriller-serial killer do Fincher, depois de Se7en e Zodíaco, e tenho cada vez mais preguiça de tentar, de novo, o original sueco de 2009. Fincher me faz ir ao cinema com vontade, pra duas ou três vezes. Aliás, assistir aos três praticamente um atrás do outro (e não importa a ordem) é uma coisa, viu? Impressionante o climão de filme de monstro dos três, e a sensação (e, depois, a certeza, uns in your face mais que estupendos) de estar sempre ali, na boca do monstro.
  • Desconfio que o Cinemark daqui de Goiânia desligue suas caixas de som laterais em dias de promoção. O sons dos filmes do Fincher são muito especiais, e com esse último não é diferente. Eu sei porque 1) é Fincher e 2) porque experimentei tudo dele na primeira vez que vi, numa sessão de meio-dia quase vazia, mas o som ali, no talo, certinho. Da segunda vez, numa sessão de 21h20, sala quase cheia (embora pequena; um crime o filme não estar na sala 1 do complexo), o som estava baixo, vindo apenas de trás da tela, deficiência acusada já durante aquela abertura top class. Pra vocês verem como são essas coisas de recepção, de ambiente para a nossa relação com o filme: se eu já não tivesse visto perfeitamente uma primeira vez, talvez a minha primeira impressão não tivesse me colocado tanto no filme, me feito gostar tanto (pra variar, uma sessão muito falante). Chato, isso. No que é responsabilidade da rede de cinema, dá pra cobrar oficialmente. Se Hugo Cabret estiver com som baixo, peço metade do dinheiro de volta.
  • O Renato Silveira, do Cinematório, já confirmou o que era certeza: o 3D (convertido, obviamente) do relançamento de A Ameaça Fantasma é porco. George Lucas quer relançar todos assim, né? Parabéns pro saco dele.

Pra fechar, sempre aquela sensação (nem boa nem ruim) de que eu escrevo nisso aqui mais pra mim do que para leitores e para o sucesso (rá!). Não que eu desdenhe as leituras (não mesmo!), mas é, sim, um jeito bom de refletir, principalmente quando é sobre a nossa relação - às vezes bem complexa - com o que escolhemos para nos acompanhar uma vida toda. E blog foi criado meio que pensando nisso, não? "Diário virtual"? Mas, no caso, tornar publicado me parece mais interessante, (muito) lido ou não.

p.s.: amiga minha viu a imagem do Phantom acima lá no meu Facebook e comentou que, por um momento, pensou ser Super Xuxa Contra o Baixo Astral. Pior que não tem como não concordar, acho.

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

V Mostra O Amor, a Morte e as Paixões - fim

Foto de Ricardo Joss

40 filmes em duas semanas. Eu realmente sentia falta dessa rápida rotina por aqui. Foi muito bom, e muito bonito ter reservado Deixa Ela Entrar em película pra ver por último na Mostra. Pra mim, que já era apaixonado pelo filme, será uma sessão inesquecível. Dormi de conchinha com o filme.

Ainda faltam textos sobre o que vi nos últimos dias. Serão postados. Por enquanto, notinhas de 1 a 5 para o que foi exibido na Mostra; notas são complicadas, mas boas pra dar um resumão geral num caso desses. Um top 3 ficaria por conta de Deixa Ela Entrar, O Porto e Tio Boonmee.

01. “Eu Receberia as Piores Notícias dos Seus Lindos Lábios”, de Beto Brant e Renato Ciasca – 2,5/5
02. “O Vendedor”, de Sébastien Pilote – 2,5/5
03. “Adeus, Primeiro Amor”, de Mia Hansen-Love – 3,5/5
04. “Triângulo Amoroso”, de Tom Tykwer – 2,5/5
05. “Saturno em Oposição”, de Ferzan Ozpetek – 3/5
06. “As Neves de Kilimanjaro”, de Robert Guédiguian – 3,5/5
07. “Luzes na Escuridão”, de Aki Kaurismäki – 4/5
08. “Cartas do Kuluene”, de Pedro Novaes – 3,5/5
09. “L’Apollonide – Os Amores na Casa de Tolerância”, de Bertrand Bonello – 4/5
10. “Poesia” – 3,5/5
11. “O Homem que Não Dormia”, de Edgard Navarro – 1/5
12. “J. Edgar”, de Clint Eastwood – 3/5
13. “Submarino”, de Thomas Vinterberg – 2,5/5
14. “Gainsbourg – O Homem que Amava as Mulheres”, de Joann Sfar – 3,5/5
15. “Riscado”, de Gustavo Pizzi – 3,5/5
16. “Turnê”, de Mathieu Amalric – 4/5
17. “O Último Dançarino de Mao”, de Bruce Beresford – 1,5/5
18. “Um Conto Chinês”, de Sebastián Borensztein – 2,5/5
19. “O Porto”, de Aki Kaurismäki – 5/5
20. “Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas”, de Apichatpong Weerasethakul – 5/5
21. “Que Mais Posso Querer”, de Silvio Soldini – 2,5/5
22. “Isto Não É um Filme”, de Jafar Panahi – 4/5
23. “Histórias Cruzadas”, de Tate Taylor – 1,5/5
24. “Hiroshima – Um Musical Silencioso”, de Pablo Stoll – 3,5/5
25. “Beleza Adormecida”, de Julia Leigh – 2/5
26. “A Guerra Está Declarada”, de Valérie Donzelli – 4/5
27. “Lola”, de Brillante Mendoza - 3/5
28. "Inquietos", de Gus Van Sant - 2,5/5
29. "Tetro", de Francis Ford Coppola - 3,5/5 (4/5, dependendo do meu humor)
30. "Habemus Papam", de Nanni Moretti - 4,5/5
31. "As Canções", de Eduardo Coutinho - 4,5/5
32. "A Árvore", de Julie Bertucelli - 2,5/5
33. "Mãe e Filha", de Petrus Cariry - 2/5
34. "O Espião que Sabia Demais", de Tomas Alfredson - 4,5/5
35. "Deixa Ela Entrar", de Tomas Alfredson - 5/5

36. “O Carteiro”, de Reginaldo Faria – 1/5
37. “Eslovênia Girl”, de Damjan Kozole – 2,5/5
38. “Caminho para o Nada”, de Monte Hellman - 3/5
39. “Tomboy”, de Céline Sciamma – 3/5
40. “A Alegria”, de Felipe Bragança e Marina Meliande - 2,5/5
41. “Românticos Anônimos”, de Jean-Pierre Améris - 2/5

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

"A Alegria" e "Tomboy"



A Alegria (2010), de Felipe Bragança e Marina Meliande


Ver os filmes dessa dupla é ficar com aquela sensação de que sua poltrona está, na verdade, pendurada num varal de cordel. Isso vale pro melhor e pro pior nesse cinema muito interessado em folclore e com alguns toques de fantástico, muito embora tudo soe como uma poesia colegial, o que, para o que A Alegria se mostra em tela,  pode ser de propósito.

Uma estudante (Tainá Medina) pode ou não ter perdido seu primo, um folião folclórico, em um tiroteio. Ele pode ou não ter virado um fantasma, ela pode ou não se tornar algo mais, o mundo pode ou não estar acabando. A Alegria poderia trocar de nome com Inquietos, de Gus Van Sant.

Não gosto do filme, mas Bragança e Meliande (A Fuga da Mulher Gorila) chamam a atenção por, pelo menos, investirem em certas ousadias, em elementos não tão comuns no nosso cinema (A Alegria tem um subtítulo). Há alguma criatividade, mesmo que os atores pareçam presos a um enorme pensar antes de agir e falar, mesmo que os 106 minutos acabem por lembrar um episódio de Castelo Rá-Tim-Bum. Há uma cena na praia que eu realmente queria ver em um filme melhor.


Tomboy (2011), de Céline Sciamma


Vi Tomboy no mesmo dia que Alegria. O filme de Céline Sciamma (Water Lilies) é sobre outras preocupações juvenis, todas elas ligadas, de uma forma ou de outra, à descoberta do corpo, essa coisa tão enigmática quando se tem por volta de dez anos de idade. No caso da criança do filme, existem algumas dores de cabeça adicionais, especialmente quando novos amigos querem jogar bola (com e sem camisa) ou nadar num lago.

Temos aqui filme com menos de 90 minutos que parece durar mais, bem mais. Sciamma parece ter esse problema no ritmo, seu Water Lilies, também com menos de 1h30, sofrendo do mesmo problema. Tomboy cresce em interesse quando dominado pelas crianças e, no entanto, parece algo distanciado quando se tem adultos/pais na tela, exceto num papo franco da mãe ("por mim tudo bem, mas..."), personagem que me pareceu forçosamente omisso por uma simples questão de fazer a história correr. É uma relação que me interessou e é, em boa parte, um ponto de interrogação.

De qualquer forma, Tomboy tem alguma noção de como crianças funcionam. Tem um final legal, desse que, com alguma sutileza, sugere que importante mesmo é estar disposto a conhecer as pessoas.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

"Mãe e Filha" e "A Árvore"



Mãe e Filha (2011), de Petrus Cariry

Existe algo muito dumal acontecendo em Mãe e Filha, filme brasileiro cercado de um clima que me pareceu, vá lá, demoníaco. A investida nesse tom "do capeta" me interessou a princípio e me desinteressou na medida em que tudo parecia se resumir apenas a isso: história infeliz, gente infeliz, tom pesado e certos elementos religiosos/cristãos (batismo, menção a Deus, quatro cavaleiros sertanejos do apocalipse...) que não conseguem se distanciar da irritante sensação de acompanhar um mero mumbo jumbo. Às vezes lembra um cinema de horror que nunca vai acontecer. Um porre, no fim das contas.

Querendo ou não, Mãe e Filha evoca ao menos três filmes: Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas (sons da natureza e um plano com protetor de mosquitos), O Bebê de Rosemary (o bebê) e Laranja Mecânica (trilha sonora), cinemas infinitamente maiores. Uma recente matéria da Folha Ilustrada sobre o atual cenário do cinema cearense menciona que críticos tem comparado o longa de Cariry a Tarkovsky e Ozu, o que, lendo isso, até entendo, mas definitivamente não foi algo que senti enquanto assistia, e ainda não sinto.

Como lembrou o amigo Rafael Parrode no fim da sessão, é um filme preocupadíssimo em fazer de cada plano um "plano-conceito". São 80 minutos de extrema pretensão, e dá sempre muita preguiça ver esse tipo de coisa, cada cena um beco sem saída de auto-importância.


A Árvore (2010), de Julie Bertucelli

Julie Bertucelli tem um primeiro filme bem bom e doído chamado Desde que Otar Partiu. Passou no mesmo cine Lumière que abriga a Mostra, em 2003 ou 2004, e agora exibe A Árvore, segundo filme da moça, que talvez tenha mesmo se decidido a direcionar seu olhar de cineasta para partidas, sobretudo como as pessoas, familiares, lidam com elas.

Em A Árvore, Charlotte Gainsbourg interpreta esposa e mãe que do nada perde um ente próximo e querido. Mora na Austrália (ela é francesa), numa casa construída ao redor de uma mangueira gigantesca capaz de fazer dessa moradia um brinquedo frágil, casa de papel. Em maior ou menor grau, a família acreditará que a consciência da pessoa falecida agora está contida na árvore, ali, de cara pra porta.

É um mote espiritual até interessante, mas Bertucelli o conduz bobamente, quase lembrando um filme de família chato, não muito distante de uma dessas enjoeiras que o Lasse Hallström se meteu a fazer há um bom tempo. De todo modo, Bertucelli filma a tal árvore com alguma imparcialidade, sem de fato vender um produto bonitinho sobre "reconforto da alma", mas também sem negá-lo. Nesse sentido, Gainsbourg se sai bem, atriz incomum num filme comum, sugerindo que poderia ser bem pior caso fosse uma Sally Field (!!!) no papel.

p.s.: Gainsbourg, que já trepou ao pé de tronco (Anticriso), aqui apenas dorme em um.

Filmes vistos na V Mostra O Amor, a Morte e as Paixões, em fev/2012.

domingo, 5 de fevereiro de 2012

Histórias Cruzadas (The Help)




Histórias Cruzadas (2011), de Tate Taylor

Tava numa má vontade com esse Histórias Cruzadas (The Help, título do livro em que é baseado) depois de ter visto o trailer, que mais sugeria um filme sobre gente branca legal boa de coração do que, de fato, a história das empregadas domésticas do Mississipi desavergonhadamente racista dos anos 60. Emma Stone interpretando menina estudiosa, aspirante a escritora e que tem a ideia de escrever um livro sob a perspectiva das empregadas negras, verdadeiras mães de criação das filhas das dondocas da cidade de Jackson.

Visto o filme, é como estarmos diante do Um Sonho Possível da vez, aquele em que Sandra Bullock (oscarizada pelo filme, yuck), loira e rica no papel, ajuda um negro a alcançar seus sonhos. "Como são legais, esses brancos. Os negros tem sorte de tê-los por perto", essas produções parecem nos dizer de canto de ouvido.

No caso de Histórias Cruzadas, indicado a Melhor Filme no Oscar deste ano, existe ainda aquele comportamento de filme cheio de si por realmente(?) acreditar estar fazendo uma espécie de homenagem ao outro, ao desfavorecido. Depois de O Último Dançarino de Mao, é o filme mais cara-de-pau presente na Mostra (e já em circuito), igualmente encerrado num dramalhão apelativo, nada sóbrio, esquema porrete de pega-lágrimas. Os 20 minutos finais me constrangeram bastante.

O elenco é todo muito bom, tipo de coisa que acaba se tornando imune - ou até se privilegiando - a uma direção tão quadradona. The Help tem quase 2h30 e esse Tate Taylor parece dirigi-lo via Twitter. Viola Davis (Dúvida) e Octavia Spencer (Arraste-me Para o Inferno) arrancam tudo de personagens tão rasamente escritos para premiações da Academia, uma delas com direito sair debaixo de chuva após ser demitida. Deuses de Hollywood continuam chovendo no molhado.

Outra indicada é Jessica Chastain (A Árvore da Vida), interpretando aqui uma barbie sonsa que me divertiu muito. A personagem, uma peruinha que é moderna sem perceber, por ingenuidade ou até ignorância, parece estar no filme para, além das artimanhas narrativas óbvias, servir de algum paralelo para Stone, ela uma moça  moderna por questão de inteligência. Diferença entre as duas, mas com um mesmo efeito, foi o que mais me chamou atenção nisso tudo.

Bryce Dallas Howard (Manderlay) também diverte como uma barbie megera top, quase vilã Disney, tendo seu obrigatório momento "levar o troco", e mais de uma vez. É uma personagem tosca, racista máxima que acredita, cinicamente, fazer o bem para os negros. Parece representar o filme.

p.s.: amigos tem me lembrado de uma verdade: The Help não chega a ser tão ofensivo quanto Crash, de Paul Haggis, esse uma coisa muito inacreditável.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Uma semana de Mostra AMP


Foto tirada por Daniel Christino

Chegamos à metade da V Mostra O Amor, a Morte e as Paixões. Seguem algumas notas sobre essa primeira semana de muito filme e alguma correria.

Digital vs. película

Rola até uma certa apreensão antes do filme começar: "Será digital ou película? Digital claro? Película boa?". O digital domina, não há dúvidas, tendo algumas projeções decentes (L'Apollonide), outras muito ou totalmente problemáticas (O Porto, Habemus Papam). É um novo meio de se ver filmes na sala de cinema, arquivos e nuvens no lugar de rolos e cigarette burns, e as mostras (seja aqui, SP ou Rio, pra ficarmos no Brasil) já adotam isso há algum tempo.

Aqui, se não em número, a película leva uma vantagem básica: o risco extremamente menor de ter o filme travado ou o som estourado, engasgadas sofridas pelos filmes de Meus Documentos. Além disso, também costuma ser exibida na tela completa, preenchendo todo aquele campo visual. A exibição de Gainsbourg - O Homem que Amava as Mulheres na sala 2, a de maior tela junto com a 4, foi a mais bonita que vi aqui, comigo sentado na quarta ou quinta fileira, vendo tudo muito grande na minha frente, um filme que eu talvez tivesse gostado e sentido menos se tivesse visto em casa, na TV ou no PC. Laetitia Casta de Brigitte Bardot é uma paixão que tenho como gigantesca.

Riscados, leves tremidas e desfoques nas mudanças de rolos, barulhinhos típicos... Não é só questão de charme na película, mas também a impressão de que o filme não é só um objeto, mas um ser vivo, com, de fato, tempo de vida. Em boa parte, cinema é isso sim.

Ainda continuo achando esse digital todo consideravelmente escuro, salvo poucas exceções. Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas, Turnê, Deixa Ela Entrar, Tetro e Luzes na Escuridão, Inquietos, Um Conto Chinês, filmes muito aguardados na Mostra, são em película.

Público

Saiu hoje a notícia de que o público já é maior que a da última edição, realizada em 2004. Continua momento ótimo pra conhecer, encontrar e reencontrar pessoas que dividem um mesmo interesse, por cinema e por filmes específicos. É uma mostra que acontece na praça de alimentação de um shopping, curiosa combinação de consumos e às vezes a sensação de que estou preso no Big Brother de Dead Set, aquela série britânica que misturou reality show e zumbis.

Também continuo sem entender como muitas pessoas não conseguem movimentar os pés e cruzar as pernas sem dar severas bicudas na poltrona da frente. Há espaço pra isso. Eu consigo. E cruzo muito as pernas.

Pessoas falantes são, claro, um clássico. Nesse ritmo de três, quatro sessões diárias, é fácil sentar perto de um. Quando é na frente ou atrás de mim, consigo pedir silêncio. Quando é do meu lado, não sei o que acontece, não é tão fácil de falar, a não ser em casos extremos. Na sessão de Gainsbourg, um casal ao meu lado comentava bastante, quase sempre partindo dele, rapaz muito interessado em impressionar a garota com o quanto ele conhecia da vida de Serge. Cara, tu já tava pegando, não precisa fazer esse peitoral de pombo ali, deixa pra depois.

Debates

Começaram anteontem, dia 01/02, os debates sobre certos filmes, sempre depois de uma das sessões (das 19h). Hoje será debatido Tio Boonmee que Pode Recordar Suas Vidas Passadas. O restante da programação pode ser conferido aqui: http://www.mostradecinema.com/programacao.html

O debate de ontem, sobre Inquietos, se revelou interessante para um filme que me irrita de algumas boas maneiras. Um momento da discussão, já aberta ao público, me lembrou exatamente de uma fala do (ex-)crítico e cineasta Kleber Mendonça Filho, escrita na sua cobertura pessoal do último Festival de Cannes:

‎"Me chama a atenção como a discussão em torno de um cinema de autor no Brasil fica, muitas vezes, restrita à questão do mercado. O filme autoral como prova de que não é comercial. Um rótulo que identifica, preguiçosamente, toda uma casta de filmes que são pouco vistos, ou que não são lançados, ou que são feitos com pouco dinheiro em novos formatos de produção. Talvez falte discutir mais um sentido real de autoralidade, o que enfocar, o que filmar, como o realizador é fiel a ele mesmo traduzindo sua visão para o cinema, seu comprometimento com aquilo."

O Porto




O Porto (2011), de Aki Kaurismäki

Depois de uma primeira sessão cancelada, finalmente pude ver o novo Kaurismäki. Particularmente, o filme me levou a uma imersão impressionante, dessas que chegam a ser raras (há dois dias, também imergi assim no novo David Fincher, em cartaz, mas uma outra experiência). O Porto lembra em muito um cinema antigo, em parte o neo-realismo, mas sobretudo aquela simplicidade hipnotizante do cinema de Robert Bresson, impressão auxiliada pelo fato deste ser um filme francês de seu autor, um finlandês.

Sair de Um Conto Chinês e entrar em O Porto logo em seguida é uma coisa meio doida. São bem parecidos em aspecto do enredo, mas filmes muito, muito distintos. Aqui também acontece de um homem trabalhador se ver na situação de cuidar de um estrangeiro em sua casa enquanto procura seus familiares. No caso, o hóspede acidental é uma criança africana que chega ao porto do título em uma carga clandestina.

O elemento criança não chega a ser o principal, mas parece compôr com perfeição essa sensação de cinema do passado. Há uma participação curta de Jean Pierre-Léaud, o eterno Antoine Doinel de Truffaut, apontando um menino que, de certa forma, tem algo do Doinel ainda garoto de Os Incompreendidos.

É um filme mais leve que o outro Kaurismäki da Mostra, Luzes na Escuridão. Temos aqui um senso de humor mais explícito (cena na delegacia é uma preciosidade), mas só um pouco, pois o cineasta permanece em seu terreno um tanto... extraterreno, um cinema sem sol de fotografia que parece vir de luas, mas belissimamente preocupado com o calor humano.

Talvez o melhor dos mais de vinte que eu já vi da Mostra.

Visto na 5ª Mostra O Amor, a Morte e as Paixões

p.s.: há um filme tão grande aqui que nem o som zoado da projeção digital lhe tirou tanto do brilho. Aos 50 minutos, ruídos e decibéis se quebrando no som, agulhadas nos ouvidos nos tirando temporariamente de um cinema tão atmosférico. Fica o lamento e o desejo de uma outra sessão, numa outra sala.

Um Conto Chinês






Um Conto Chinês (2011), de Sebastián Borensztein

Como esperado, Um Conto Chinês vem fazendo grande público na sua trajetória na Mostra, que só agora chegou na metade. Já há alguns anos, Ricardo Darín é o grande ator do cinema argentino e os espectadores brasileiros realmente gostam dele, com justiça, pois o homem é mesmo muito bom. O filme ganha três sessões extras amanhã, 04/02, no lugar do previamente programado Histórias Cruzadas, tomando horários de uma produção indicada a vários Oscar.

Fica até fácil entender essa recepção. Um Conto Chinês se joga fácil, seu melodrama certamente mais sóbrio que o de O Último Dançarino de Mao. Tem em Darín não apenas grande ator, mas alguém que já tem boa passagem pelo Brasil via cinema argentino da melhor safra, sua parceria com Juan José Campanella (O Filho da NoivaO Segredo de Seus Olhos) sendo o maior destaque. De alguma forma, Darín parece ser uma espécie de selo de qualidade.

Aqui ele interpreta Roberto, dono de lojas de ferramentas e colecionador de absurdos. É um anti-social que, por obra de acaso ou destino, conhece um chinês que literalmente cai na sua frente, nas ruas de Buenos Aires, sem saber uma palavra de espanhol. A contragosto, terá de abrigar o oriental até encontrar alguma solução, período que lhe renderá um bom número de palavrões, todos expressados com algum prazer escondido no rosto de Darín.

É um filme, enfim, engraçado, e tanto palavreado chulo dito em espanhol parece chamar a atenção dos ouvidos do público brasileiro, treinado a escutar e falar coisas que soam bem próximas. A senhora falante sentada ao meu lado parece ter se deliciado com os "carajos", "hijos de la puta" e "puta que te parió", ela mesma soltando, muito brasileiramente, seus "caralho" e "que bosta" aqui e ali.

É um outro título da Mostra que leva um chinês a América, aqui, no caso, a do Sul. "Simpático" talvez defina bem Um Conto Chinês, mesmo que eu não tenha gostado de fato, me sentindo meio neutro, como se Darín fosse a melhor coisa daqui (e é) e o restante não importasse (e deveria). Tem, por exemplo, uma grande mensagem de "sentido da vida" que me pareceu bem ruim, pesando uma ou duas vacas.

p.s.: nossa, como o cartaz do filme é feio.


Visto na 5ª Mostra O Amor, a Morte e as Paixões

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

"Riscado", "Turnê" e "O Último Dançarino de Mao"



5ª Mostra O Amor, a Morte e as Paixões - DIA 5





Riscado (2010), de Gustavo Pizzi

Entrei meio às cegas pra ver Riscado e foi muito bom. Filme me pegou de jeito com sua naturalidade e uma atuação sensacional dessa Karine Teles, a energia da tela. A relação que cria com o próprio cinema é interessante, às vezes linda de verdade. Parece ter um final difícil de largar.

Volto depois com texto mais falante.


Turnê (2010), de Mathieu Amalric

Esse eu queria muito ver. É do Mathieu Amalric, excelente ator francês, mais conhecido no Brasil por ter feito o vilão do último 007, Quantum of Solace, não um de seus melhores papéis. O Amalric diretor não realizava um filme desde 2001, quase dez anos, e esses retornos são sempre interessantes de acompanhar, mesmo que Turnê seja apenas seu terceiro longa. Volta com um filme sobre artistas de neoburlesque em turnê na França.

Temos aqui um filme francês em que se vê muito pouco do país, apesar da França estar sempre lá, nos cantos e na dupla noção de lar, o seu e o dos outros. Ao contrário de Adeus, Primeiro Amor, é uma França apresentada pelas beiradas, Amalric filmando-a indoors.

Em muito, Turnê é um filme sobre o pequeno espetáculo da vida, seus altos e baixos. O grupo artista é americano e tem no próprio Amalric o seu empresário francês. Eles não conhecem a França, tem limitada relação com a língua e tomam o empresário por uma relação de trabalho que muitas vezes também lembra a de um irmão, no melhor e pior.

Com seus shows burlescos de nudez e divertida sedução, corpo como instrumento de trabalho, a impressão é que o filme seria muito bem exibido na Mostra numa sessão dupla ao lado de L'Appolonide, de Bertrand Bonello. Ambos traze uma sensação de fraternidade bastante similar, embora sejam filmes de climas bem diferentes.


O Último Dançarino de Mao (2009), de Bruce Beresford


Já tinha algum tempo que eu não via uma bobagem dramalhônica tão grande quanto esse O Último Dançarino de Mao.

Conta a história de um dançarino chinês selecionado para passar um trimestre nos EUA em rápida turnê. Ele é criado e treinado no governo de Mao Tsé-Tung, onipresente em quadros presos a paredes, e o filme se concentra no choque cultural e político entre os países. Há algum senso de comparação até OK e bem pensado em alguns momentos, como a inversão de uma ideia que se tem da aparência dos chineses, mas Beresford (Conduzindo Miss Daisy), além de filmar quadrado, dá uma clara vantagem ao ocidente. A China vista aqui não aparece exatamente pelo que tem de bom e ruim, mas parece existir apenas para, no fim das contas, ser uma vítima de bullying durante os paralelos. Lado negativo dos americanos também é abordado aqui e ali, mas não é a mesma coisa. Muito estranho ver um filme vender a ideia de terra de oportunidades assim, tão descarada e, pior, nada convincente.

Li Cunxin, o dançarino, chega aos EUA aconselhado a manter e seguir seus princípios comunistas, palavrinha que os americanos despenderam muito esforço em demonizar, tendo resquícios até hoje ("When you pirate mp3s, you're downloading communism"; esse cartaz existe mesmo no mundo). Suas primeiras cenas lembram um gato assustado, mas que será logo domesticado, rendendo uns 40 minutos finais de "justiça" muito lambões e constrangedores, novelão que se entrega a um certo e errado (ou bons e maus) muito complicado. Quando o filme se encerra, cheio de si por ter feito um bem ao adaptar a história desse rapaz e realmente acreditar ter feito uma grande homenagem ao outro, dá vontade de esconder atrás de alguma coisa, fugir de gafe tão grande. O último plano é inacreditável na sua cara-de-pau.

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

J. Edgar



J. Edgar (2011), de Clint Eastwood

O novo Clint Eastwood é parte da Mostra, mas também das salas de circuito, e por isso tem exibições praticamente todos os dias (ou todos?). Parece estar atraindo uma boa cota de interessados, talvez por seu tipão Oscar, com alguns requisitos básicos (cinebiografia de gente americana importante, ator jovem sob maquiagem, roteirista premiado por Milk, diretorzão etc), embora tenha sido ignorado nas indicações. Já Leonardo DiCaprio conseguiu uma indicação ao Globo de Ouro, numa atuação que pode lembrar um pouco seu Howard Hughes em O Aviador, e melhor por lá.

Ao meu ver, existem três maneiras de assistir a J. Edgar. A primeira e pior delas é ser completamente tirado do filme quando DiCaprio aparece envelhecido por uma maquiagem bizarra para os padrões desse tipo de produção hollywoodiana, indústria com doletas o suficiente pra criar algo que não se pareça com uma máscara prestes a cair ou derreter. Dependendo da luz, lembra o Jon Voight.

Outra maneira é o vai-e-vem político, às vezes lembrando um Oliver Stone em seus momentos mais atrapalhados, ainda que bem intencionados (W.?). J. Edgar é mais um filme-pedaço da história dos EUA, realizado por um grande pedaço da história de seu cinema, mas ou Clint tem mesmo um grande desinteresse por esse lado do filme (mesmo ficando em segundo plano, duvido!), ou então temos, a exemplo da maquiagem, o típico "nas coxa". Ainda tento decidir, uma vez que boa parte do longa se concentra nos esforços de J. Edgar em estabelecer o FBI como herói público americano e de seu cinema, se aproveitando, principalmente, de uma promissora investigação envolvendo um bebê, pequena trama que chega a ficar meio confusa. Seu grande filme político, universalmente político, continua sendo a dobradinha A Conquista da Honra/Carta de Iwo Jima.

Por fim, o melhor J. Edgar é um filme de casal. Sempre muito foda ver toda aquela sensibilidade madura de Eastwood até nos seus feitos mais derrapantes. Que nem Além da Vida, trabalho anterior e pra mim um de seus piores, mas com uma cena de grande ternura passada numa aula de cozinha, dando vontade de abandonar o filme e ficar só ali, com aqueles dois. A segunda cena entre Hoover e Tolson (Armie Hammer, a dupla torre gêmea de A Rede Social, mais à vontade que DiCaprio) mostra do que esse realizador maiúsculo é capaz quando focado no que é humano (o plano que revela o truque de Hoover para parecer mais alto é a cara de Clint).

Autor de melodramas extremamente maduros, Eastwood escancara a rumorosa homossexualidade de Hoover, faz isso aos poucos, colocando um homem que tinha muito de escrotidão e conservadorismo num "filme gay" (falo isso pensando em J. Edgar selecionado para um Festival Mix ou Queer). Clint parece entender que cinebiografias são, mais que sobre alguém, versões de alguém. Há uma história de amor muito bonita e doída por aqui.