sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Margin Call




Para quem, como eu, acha Trabalho Interno um documentário insuportável em seu economês técnico, Margin Call, uma ficção, é filme interessante de se acompanhar. Elenco é bom (Kevin Spacey, Paul Bettany, Jeremy Irons, Stanley Tucci...) e ajuda a envolver o espectador que pode ter medo de enormes equações envolvendo dinheiro. A história se passa um dia antes da crise financeira de 2008, daí o nosso subtítulo apocalíptico-pateta “O Dia Antes do Fim”.

Irons é a melhor coisa desse filme situado em andares altos de capitalismo. É dele que sai um pedido de explicação simples para o que está acontecendo (na empresa, no mercado, na América, na vida...). Funcionário que descobriu a crise (Zachary Quinto sem teletransporte) – já em andamento – lhe explica e cabe a Irons uma tréplica em forma de alusão com secreções, excreções e desatinos. Os momentos mais didáticos são curiosamente bons.

Grande chefe, com direito a nome mencionado mais de uma vez antes de aparecer, Irons representa o último estágio e o último andar de prédios espaçosos e frios. Janta solitário, com vinho e indiferença, sendo em muitos aspectos um clichê, mas um clichê dominado por Irons. Cresce no longa mais que Spacey, que, por melhor que seja e esteja, tem em duas cenas com um cachorro a incômoda sensação de forçar uma poesia meio redundante, para filme e personagem.

J.C. Chandor, diretor estreante, faz o que chamaríamos de trabalho muito competente, se tratássemos isso aqui como um serviço, mas seu Margin Call tem algo que me agrada além da bem calculada impressão de que é tudo números em ternos. A cidade acontecendo do lado de fora das janelonas, longe e abaixo, chama a atenção na mesma medida que o suspense de escritório; talvez até mais, num segundo olhar. E há muitas janelas, muito altas. O filme parece se passar numa redoma de vidro.

domingo, 25 de dezembro de 2011




Os De Palmas que fizeram o meu Natal

Em breve papo de internet com meu amigo André, comentamos sobre alguns De Palmas e a necessidade de rever a maioria de seus filmes. A estreia de Missão: Impossível 4 me levou a revisitar o primeiro, de De Palma, o melhor da série, antes um De Palma sólido do que um “filme de franquia”, e já fui impulsionado.

Irmãs Diabólicas

Há dois dias comecei por um que nunca tinha visto: Irmãs Diabólicas (Sisters, 1973), um dos primeiros, sobre irmãs siamesas mental e medonhamente inseparáveis. Há aquela impressão de um cineasta aquecendo olhares e marcas (tela dividida), mas já é muito presente o estilo surtado de violência e suspense, afetação que ele saberia elevar ou disfarçar como se fosse um estranho instrumento numa valsa de requinte. Eu gosto.

Entretanto, Irmãs Diabólicas parece ter de se virar com problemas de ritmo. Cenas “normais” não acompanham o interesse dos momentos que se dedicam inteiramente ao suspense, que num primeiro momento tem algo de Festim Diabólico em uma ou outra cena (o sofá). Hitchcock, inspirando e assombrando De Palma desde a adolescência, quase um caso de siameses, pois a relação de De Palma com o hômi do suspense é muito como o jogo de corpos e personalidades das irmãs Danielle/Dominique.

De Palma aprecia uma enlouquecida, um filme que bate a cabeça na parede repetidamente. Abalos psicológicos revestidos de suspense e horror alimentam Irmãs Diabólicas e outros de seus filmes, sobretudo aqueles da primeira metade da filmografia. Irmãs abre com imagens dos fetos em clima de terrorzão. A trilha de Bernard Herrmann assina um pesadelo.

Daria uma sessão tripla linda ao lado de dois Cronenbergs: Enraivecida na Fúria do Sexo e Gêmeos – Mórbida Semelhança.

A Fúria

Tinha visto uma única vez e achado ruim, mas nunca consegui me posicionar muito bem a respeito. Continua ruim, só que a violência, que antes me batia como uma criança, agora deu uma crescida.

É o filme seguinte a Carrie, obra semelhante e muito superior, focada desde o começo e praticamente mítica no todo. Em A Fúria (The Fury, 1978) há telepatas, escola com bullying, uma moça sofrida com seu dom. Mas há também uma subtrama de agente secreto, Kirk Douglas de idade já avançada dando saltos de gato em busca do filho raptado. As tramas levam a uma escola especial, o que me fez pensar numa espécie de X-Men feio (o reencontro com o filho deve ser das piores cenas de De Palma).

Douglas desconfortável, trilha de John Williams erradíssima no tom (intro da escola, fuga em câmera lenta...), Carrie bailando a dois anos de distância... Não fosse a última cena, dava pra esquecer tudo.

Vestida para Matar

Angie Dickinson. Foram os primeiros mamilos rosados que me lembro de ter visto em um filme. Cena de abertura, ducha, nudez completa, vidro embaçando, carcadas e fantasias.

Essa abertura é uma das quatro cenas de Vestida para Matar (Dressed to Kill, 1980) que mantenho intactas na memória. As outras são o jogo de gata e rato no museu, em que um estranho bate e assopra durante escapadas de visão; a posuda mistura de Argento e Hitchcock no elevador; e a última, retorno ao banheiro, à ducha e às fantasias, em vários sentidos.

Não lembrava de quase nada além disso, no entanto. Não gosto de nenhuma das cenas com o garoto, personagem importante e que nem lembrava de existir. Me tira do transe, faz uma lacuna, exige um esforço pra situá-lo nesse filme. O detetive também, mas em menor escala, pois há nele algo de charlatanesco que acaba casando.

De todo modo, é um dos De Palmas mais engraçados. Há uma assassina psicótica a solta; no filme, sua primeira vítima é uma paciente do psicólogo interpretado por Michael Caine, sujeito que encara espelhos entre um “sim” e um “não”. É um filme de curiosa e afetada tensão sexual, alimentada adiante pela inclusão de uma personagem prostituta (Nancy Allen, também mamilando) e por elaborações da trama. Como nos bons De Palmas, caras e bocas estão muito bem pensadas acima do tom; tudo o que envolve Dickinson fica a um passo do hilário, inclusive bilhetes afetuosos seguidos de doenças venéreas.

É também um desses De Palmas em que a mise-en-scène mais se revela em todo seu cuidado, muitas vezes mais que Hitchcock (Obsessão dormia com Vertigo, Vestida para Matar seduz Psicose a navalhadas de giallo). É escancarada, na verdade, saboreando o prazer de ser notada por esse nosso voyeurismo. A maravilhosa cena do elevador é um belo exemplo de cinema exibicionista, de fetiche em vários níveis, e parece construída em modo pause por um cinéfilo danado em posse de controle remoto. Tesão total.

Na Natureza Selvagem



O garoto civilizado

Vi Na Natureza Selvagem com cinco anos de atraso, mesmo com muitos amigos insistindo que o visse o quanto antes. Talvez essa urgência encontre lugar no aspecto lição de vida que o filme parece arremessar com diversos pesos.

De alguma forma, vejo Na Natureza Selvagem situado no outro lado da calçada de O Garoto Selvagem, em que Truffaut se responsabilizava por cuidar e, principalmente, educar um menino criado no mato, sem contato com a civilização até então. O Chris/Alexander do filme de Sean Penn é o garoto civilizado, rapaz que abandona essa raiz para viver pelo acaso de rios, morros, terras, animais e até pessoas.

A impressão é de que há todo um discurso contra a sociedade e talvez até mesmo a civilização. “Sociedade é má/equivocada” versus “natureza é boa” acaba por formar um beco dos mais bobos para esse filme que coloca seu personagem “marginal” para aprender e ensinar no seu caminho rumo ao Alaska e ao que ele acredita ser liberdade. Emile Hirsch e seu personagem me irritam na medida em que esse punho em riste (contra posses, coisas, o urbano) me soa juvenil e acompanhado de uma estranha arrogância, muito embora eu desconfie que direção de Sean Penn estivesse mais interessada na história de um cara e tirar daí um filme do bem, inocentemente preocupado com prazeres desprezados. Hirsch toma banho natural em câmera lenta, come a maçã mais natural de todos os tempos (“melhor que qualquer outra maçã”)... toda uma lista de valores num filme de muita bandeira e pouco vento.

* postado ao som de "Jeremy" - Pearl Jam