sexta-feira, 27 de maio de 2011

Domicílio Conjugal



Doinel e a desmocidade

Lembro que, quando os vi pela primeira vez, tinha gostado mais de Beijos Proibidos (1968) do que de Domicílio Conjugal (1970), duas das aventuras de Antoine Doinel, essa meia persona de François Truffaut. Hoje é o contrário, com Domicílio sendo algo muito próximo de um encanto, e alguns poderiam dizer até que seria o encanto de uma certa rotina e suas convenções. Mas é um Truffaut, e também um pedaço da saga de Doinel, então é um pouco mais.

O casal - sobretudo Doinel - é submetido a algumas fases do jogo matrimonial. Em uma abertura que é dos pontos altos de uma carreira alta, Truffaut filma as pernas de uma Claude Jade andarilha, moça apaixonante ao esclarecer que deixou de ser mademoiselle para ser madame. Minutos depois, ela faz questão de reprisar o beijo roubado na adega, aquele beijo (roubado? proibido?) de quando ainda era apenas mademoiselle.

Claude Jade é de uma doçura tão grande que do incômodo perfeitamente justificado ela passa para o cuidado, mas sem abrir mão de sua sinceridade. "Eu também queria ter sido sua esposa", uma fala que faz belo par com suas primeiras falas, e uma fala que conduz muito bem todo o peso que Truffaut lapida em torno de Doinel, mesmo em um filme que se comporta muito como uma pequena comédia romântica. Para um cineasta que sempre se mostrou interessado nos significados da aprendizagem e do amadurecimento, o eterno "incompreendido" Doinel se revelou seu projeto mais dedicado.

Já o que eu não lembrava em Domicílio Conjugal era da rápida aparição do Sr. Hulot, a grande persona de Jacques Tati. Durante cerca de apenas um minuto, Hulot, um desengonçado típico e gentil, tenta pegar o metrô. A princípio, pensei ser apenas uma curiosidade inserida pelo Truffaut cinéfilo, mas Hulot é uma das figuras mais ternas do cinema, caminhando pelo mundo enquanto espera ser surpreendido, ou realmente para ser surpreendido. Um muito como Doinel.

*postado ao som de "Someone Like You" - Adele