quarta-feira, 14 de maio de 2014

Olho Nu no Cine Cultura



Deve dar muita gente pra ver Olho Nu, documentário sobre Ney Matogrosso, no Cine Cultura, e é bom que dê. Não gosto do filme, mas pra quem quiser passar pelo menos uma semana cantarolando nada mais que Ney (e Secos e Molhados, claro), disso ele é bem capaz.

Cantar Ney só pode ser bom, qualquer um de bom juízo diria. É uma quase verdade. A exceção é a sala de cinema, pois esses documentários a serviço de bandas e músicas envolventes costumam sofrer com a invasão daqueles espectadores que fazem questão de cantar juntinho, como se estivessem num show. Querem mostrar que sabem a letra, que aquele filme é só pra ele, o maior fã presente naquela sessão. Se não cantam, às vezes batem os pezinhos, acompanhando o ritmo. Ou uma garrafinha d'água entre as mãos.

Um ano atrás, numa sessão de Tropicália, de Marcelo Machado, no cine Lumière do Shopping Bougainville, tinha um desses. Sujeito barbudo, homem feito, batucava o plástico como se aquilo não pudesse incomodar outros ali presentes. Enfim, virou uma das minhas muitas histórias de confusão no cinema, de ter de chamar segurança e tudo o mais.

Pô, cantem Ney. Faz bem pro coração, eu sei. Mas na sala de cinema, cantem internamente. A poltrona vizinha agradece.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Hoje Eu Quero Voltar Sozinho


Quando ternura é força

A que cabe o crescente interesse por Hoje Eu Quero Voltar Sozinho (2014) senão aos seus próprios esforços? Sem celebridades, sem apadrinhamentos, sem transitar pela grade de uma rede de TV, sem ser mencionado em horário nobre, o primeiro longa de Daniel Ribeiro caminha para 100 mil espectadores em sua segunda semana em cartaz, aumentando agora o número de cidades em que estreia.

Com apenas 33 cópias iniciais e agora já com 56, números dos mais significativos para uma produção nacional independente, é interessante como o filme vem furando o bloqueio desses blockbusters que ao menos uma vez por mês chegam para ocupar metade das salas do país numa distribuição colossal cujo propósito é sufocar o mercado e lucrar a partir disso. Disputando bravamente seu lugar, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho chega em meio a Rio 2, Noé e Capitão América 2.

Também temos aqui um exemplo contrário à lógica de mercado que domina o próprio cinema brasileiro. O trio protagonista - Guilherme Lobo, Tess Amorim e Fabio Audi - pode até apresentar rostinhos que estariam facilmente escalados na Malhação, mas os jovens atores vêm de um quase completo anonimato para enriquecer com rara sensibilidade uma dramaturgia que se propõe a olhar para a juventude. Num cenário em que sucesso de bilheteria parece se resumir a comédias chupadas de ibope televisivo (basta uma olhada nas dez maiores bilheterias brasileiras do ano passado, é deprimente), levando espectadores ao cinema sem que de fato os tire da programação do sofá de casa, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho conquista uma posição a ser notada.

Não que seja um filme perfeito. A história de um garoto cego e gay que se apaixona por seu novo colega de classe sofre inclusive de certo protecionismo que o próprio diretor e roteirista parece preocupado em criticar. Praticamente situado em três ambientes base - casa de Leo, colégio e um acampamento escolar -, o filme pouco permite que seus personagens principais interajam com o universo externo, com pessoas de cotidiano que pudessem adicionar cor às suas vivências, sobretudo se considerarmos que é São Paulo, mesmo que num bairro nobre de classe-média. É difícil, assim, evitar que às vezes tudo pareça fantasioso e corretinho demais, como se o mundo não lhes pudesse ser mais nocivo que o bullying na escola.

Ainda assim, estamos longe do nível comercial de margarina. Por mais que os devidos recados sejam transmitidos de forma muito clara, configurando um filme de puras boas-intenções, me parece ser a representação do jovem e suas preocupações, tão corriqueiras quanto mundanas, a real riqueza do que se vê em Hoje Eu Quero Voltar Sozinho. O adolescente exposto, seja ele homossexual ou não, deficiente ou não. As paixões de colégio, os amigos confidentes, os ciúmes de amizade, o sentir-se abandonado, os colegas irritantes, a sexualidade ainda verde, as festinhas, os trabalhos no quarto, a vergonha da nudez, os pequenos conflitos com a família e, talvez das coisas mais interessantes a ser explorada pelo roteiro, o desejo de ver e conhecer o mundo.

Com seus 31 anos, não faz tanto tempo que Ribeiro deixou para trás essas agruras. Às vezes parece dirigir uma espécie de diário, misturando ficção a lembranças que poderiam ser suas. Seu filme tem essa capacidade de aproximação, um elemento de identificação muito forte. Leo não enxerga, Leo é atraído pelo mesmo sexo, mas Leo também é só um menino. Um menino que vai ao cinema, por sinal.

Ribeiro realiza aqui um desdobramento de seu curta de 2010, Eu Não Quero Voltar Sozinho, muito visto na internet e festivais, sobretudo de temática LGBT, algo que o filme tira proveito, é verdade, mas além de ser inevitável, talvez seja necessário. Uma temática que parece vir, no entanto, meio que por acaso, tanto que a característica da cegueira é o grande elemento de discussão e distinção dentro da história. A homossexualidade vem no embalo, simplesmente porque sim, e todos os problemas que decorrem dela poderiam ser problemas de qualquer demonstração sexual.

O que Ribeiro nos destaca é o sentimento acima de tudo. A câmera que foca na audição de Leo assim que a voz de Gabriel se faz audível pela primeira vez é a força de tudo o que vem a seguir. O restante deve a uma direção segura do que colocar na tela, mesmo quando a situação pode se revelar esquemática (penso aqui nos dois dançando Belle and Sebastian no quarto), de alguma forma parecendo acreditar inclusive em seus momentos mais vulneráveis, pois ternura há de sobra por aqui.

Um filme de carinho. Às vezes faz bem.