sexta-feira, 18 de maio de 2012

Irreversível



A primeira vez que vi Irreversível (2002) foi em fevereiro de 2003, durante a terceira edição da Mostra O Amor, a Morte e as Paixões. Àquela altura, eu já estava devidamente informado da tão comentada cena de estupro, nascida polêmica desde Cannes 2002. Já sabia que era comum as pessoas abandonarem a sessão antes de seu fim, assustadas, agredidas, incomodadas, fragilizadas de alguma maneira. Esse tipo de coisa me interessa. Filmes que causam uma certa reação física nas pessoas, a ponto de moverem-nas para fora da sala de cinema, ou de fazê-las virar o rosto, ou mesmo vomitar (situação que me relataram; sério), me interessam. Acho incrível. E Irreversível, definitivamente, não é bolinho.

Na referida Mostra, o filme possuía três sessões agendadas. Todas lotaram, fazendo com que uma exibição extra fosse organizada. Estive em duas sessões e meia, meio fascinado com tudo aquilo, filme e reações. Gaspar Noé, o argentino radicado na França, cheio de seus planos-sequências elaborados, longos, sutilmente costurados, agindo em retrocesso para contar uma história de ódio e vingança frustrada, de amor e também desejo, de sexo por todos os lados, em seu melhor e seu pior, mas não exatamente nessa ordem.

Irreversível é um filme desagradável, no melhor sentido, se é que é possível (e acredito que seja). A cena do estupro não é inesquecível apenas por sua inquestionável agressividade (e, graficamente, há uma ainda pior, momentos antes), mas por ser um dos planos cujo peso da iminência beira o insustentável. Noé, até então munido de uma imagem inconstante, carregada de fúria, deixa a câmera no chão de um corredor subterrâneo pesadamente avermelhado, imóvel, absolutamente passiva, submetida a um grotesco ato de violência que dura oito minutos e com seu enquadramento muito capaz de visualizar o fundo da cena, onde qualquer um pode aparecer, uma testemunha, alguém, e aparece, e vai embora. Sensações de impotência são desferidas aqui como marretadas. Uma cena incrível.

Foi muito bom rever o filme depois de quatro ou cinco anos. Tendo visto quatro vezes em alguns meses, assistido aos extras do DVD, eu tinha me anestesiado. Semana passada, lembrei do quanto é pesado, lindamente pesado, e lindamente terno na sua segunda metade, contraponto deveras sacana para o climão de destino já estabelecido.

Penso no cinema de Noé como um ataque. Não exatamente a alguma coisa, apenas um ataque. Gosto muito.