Na referida Mostra, o filme possuía três sessões agendadas. Todas lotaram, fazendo com que uma exibição extra fosse organizada. Estive em duas sessões e meia, meio fascinado com tudo aquilo, filme e reações. Gaspar Noé, o argentino radicado na França, cheio de seus planos-sequências elaborados, longos, sutilmente costurados, agindo em retrocesso para contar uma história de ódio e vingança frustrada, de amor e também desejo, de sexo por todos os lados, em seu melhor e seu pior, mas não exatamente nessa ordem.
Irreversível é um filme desagradável, no melhor sentido, se é que é possível (e acredito que seja). A cena do estupro não é inesquecível apenas por sua inquestionável agressividade (e, graficamente, há uma ainda pior, momentos antes), mas por ser um dos planos cujo peso da iminência beira o insustentável. Noé, até então munido de uma imagem inconstante, carregada de fúria, deixa a câmera no chão de um corredor subterrâneo pesadamente avermelhado, imóvel, absolutamente passiva, submetida a um grotesco ato de violência que dura oito minutos e com seu enquadramento muito capaz de visualizar o fundo da cena, onde qualquer um pode aparecer, uma testemunha, alguém, e aparece, e vai embora. Sensações de impotência são desferidas aqui como marretadas. Uma cena incrível.
Foi muito bom rever o filme depois de quatro ou cinco anos. Tendo visto quatro vezes em alguns meses, assistido aos extras do DVD, eu tinha me anestesiado. Semana passada, lembrei do quanto é pesado, lindamente pesado, e lindamente terno na sua segunda metade, contraponto deveras sacana para o climão de destino já estabelecido.
Penso no cinema de Noé como um ataque. Não exatamente a alguma coisa, apenas um ataque. Gosto muito.