sexta-feira, 25 de junho de 2010

Eric Rohmer




Cineasta de cabeceira

Eric Rohmer morreu este ano, pouco antes de completar seu nonagésimo aniversário. Manteve-se ativo até 2007, filmando em décadas que cada vez mais pareciam lhe reservar somente brechas. Não que os filmes de hoje sejam piores (não são) ou que o Rohmer fosse infalível (não era), mas é interessante pensar no trabalho do cineasta diante de um mercado cada vez mais afobado. Quando experimentou a tecnologia digital em A Inglesa e o Duque (2004), soou antiquado, ainda que belo. Hoje, com o investimento compulsivo na tecnologia febril do 3-D, um cinema como o de Rohmer, por mais reconhecido que seja, parece ter de se reafirmar. Curiosamente, é Rohmer, com sua “cineratura”, quem oferece uma dimensão a mais, anos e anos antes.

Quando se fala em Nouvelle Vague, os primeiros cineastas que vem à cabeça são Jean-Luc Godard e François Truffaut. Transgressor e um dos marcos artísticos da década de 60, o movimento cinematográfico francês contava ainda com Alan Resnais, Jacques Rivette e Claude Chabrol, também de extrema relevância. Rohmer, no entanto, costuma ser lembrado por fim.

Como os colegas new wavers, Rohmer frequentou a Cinemateca Francesa (fundada por Henri Langlois em 1936) e escreveu para a Cahiers du Cinema, revista da qual foi editor-chefe por quase oito anos e uma das mais influentes publicações do meio artístico. Embora tenha sido o primeiro do grupo de jovens autores a se tornar cineasta, Rohmer foi um dos últimos, senão o último, a ser visto como representante sólido da Nouvelle Vague. Por quê? Porque a onda era nova, mas o cinema de Rohmer é de gente velha. Só que ser velho é um estado, podendo durar minutos, horas ou anos, com todas suas vantagens e desvantagens; as gírias são opcionais.

Sem a ânsia revolucionária de Godard ou a intensa pessoalidade de Truffaut, o diretor se distingue pela paciência. Desprovidos de tramas, seus filmes geralmente se comportam como se extraídos de calhamaços literários – a quadrilogia “Contos das Estações”, por exemplo, poderia formar quatro tomos de um grande romance –, narrativas concentradas em personagens e seu cotidiano, muito mais próximas de um fluxo de consciência. São, portanto, considerados cansativos e tediosos, verdadeiros desafios para o padrão drive thru de atendimento. E talvez sejam, arrisco dizer. Mais do que qualquer outro, seu cinema parece estar sujeito a uma espécie de preparação do espectador, o “momento certo”, como acontece com vários livros. Não por coincidência, Rohmer foi professor de Literatura em Paris.

Nathaniel Hawthorne e Virginia Woolf, entre outros escritores, parecem honrados pela filmografia de um autor que usa a câmera para escrever. “Gosto que meus filmes sejam revistos como se relê um livro. É a parte de escritor que tenho em mim”, disse uma vez. Elementos internos são recorrentes na obra do cineasta, tais quais questões morais e emocionais, princípios, crises de meia idade, relação entre indivíduo e sociedade etc. Nada que combine com óculos 3-D, evidentemente.

Texto publicado no jornal O Popular, edição de 23 de junho de 2010.

*post escrito ao som de Charles Trenet - "La Mer"

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