sábado, 3 de novembro de 2012

36ª Mostra SP - Tabu (2012), de Miguel Gomes




*Texto escrito em 22 de outubro/2012

Miguel Gomes e os encantos narrativos

Encarado como um dos grandes filmes a serem vistos na Mostra, Tabu parece fazer jus às expectativas, burburinhos e comentários empolgados pelos corredores freicanecanos e andanças da Augusta entre uma sessão e outra. Miguel Gomes, cineasta português, vem do elogiado Aquele Querido Mês de Agosto (2008), longa que não captou muito de minha atenção, sem me dizer grande coisa, talvez merecendo uma revisão (quem sabe na própria Mostra, onde é exibido ao lado de seus outros filmes). Aqui, fez algo realmente imperdível, uma dessas obras capazes de se abrigar num tempo (ou, no caso, dois tempos), numa política, numa relação histórica e numa visão de sentimento.

Filmado em preto e branco e resolução 4:3, Tabu ainda é um meio filme mudo. Tem-se a impressão de estar diante de um trabalho incapaz de pertencer a algum período específico – as partes mudas são, na verdade, sonorizadas por eventuais sons ambientes, risos e trilha –, embora ecoe um cinema antigo. Murnau, de Aurora, é uma clara referência.

Não soa, porém, como homenagem ou exercício, tarefas cumpridas – e muito bem – por diretores como Aki Kaurismäki (Juha, 1999) e o oscarizado Michel Hazanavicius (O Artista, 2012).

O que Gomes faz é trazer resquícios de seu país colonizador para elaborar, de maneira muito literária, belíssima história de romance. Cuidadosamente aquecidas, muitas de suas características só serão reveladas cenas à frente, sem que seus aspectos literários comprometam suas imagens, encantos por si só.

Uma narração, voz fascinante em sua indiferença, nos leva pelo filme como quem conta uma história de ninar. Há todo um tom de fábula a acariciar Tabu, impressão gentilmente cedida por seu prólogo: um pequeno conto aventureiro situado na África e que traz na imagem de um jacaré o elo entre o contemporâneo e anos não esquecidos.

No presente, uma senhora viciada em cassino vive aos cuidados de sua empregada cabo-verdiana, (interessante presença, ela lê uma edição juvenil de Robinson Crusoé), e, indiretamente, de sua atenciosa vizinha de apartamento. Juntas, as três sugerem passados diferentes de uma mesma nação.

Apesar de sadia, a idosa já parece velha o suficiente para apresentar leves traços de senilidade. São, na verdade, apegos a lembranças, memórias doces e dolorosas que serão traduzidas por outro personagem, teletransporte cinematográfico que Gomes realiza sentado à mesa.

Possível obra-prima, Tabu é capaz de revisitar a relação entre dois continentes através de um delicado filme de amor. Aquele gesto de virar-se para trás, lançando olhar dos mais sentidos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário