sábado, 3 de novembro de 2012

36ª Mostra SP - "Entre o Amor e a Paixão" e "Boa Sorte, Meu Amor"




De decepções e frustrações

Dois filmes que despertavam meu interesse já há algum tempo acabaram se revelando pequenas decepções: Entre o Amor e a Paixão (Take This Waltz, 2011), segundo longa da atriz Sarah Polley, e Boa Sorte, Meu Amor (2012), mais um representante da vivíssima safra pernambucana.

Há seis anos, Polley estreava na direção com Longe Dela, filme muito delicado que conseguia escapar daquele pacote Alzheimer de emoções lacrimosas, comum no tema. Trazia, ainda, bela atuação de Julie Christie, sustentando closes como uma verdadeira grande atriz. Era um primeiro trabalho maduro.

É aqui, na segunda investida, que a agora diretora está mais para uma aprendiz. Tem em mãos a clássica história de moça/mulher casada (Michelle Williams) que se apaixona por outro cara. Daí o... sábio... título nacional, pois ela está “entre o amor” matrimonial “e a paixão” jovial.

A julgar pela trilha sonora (tirar “Video killed the radio star” da cabeça é o desafio pós-sessão), passa perto de ser um As Pontes de Madison indie em sua premissa. A comparação com um dos maiores Eastwoods não faz bem ao filme.

Seth Rogen interpreta o marido, gourmet literário de receitas à base de frango e com senso de humor elaborado para se encaixar no ator. É um casal infantil e cheio de climão, em parte por conta de uma resistência sexual muito mal sustentada. Química entre Rogen e Williams é estranha e de difícil assimilação (por outro lado, talvez seja a ideia...), mesmo com outros personagens, amigos e amigas, rodeando suas vidas.

Relação com o novo moço, um aspirante a artista que ela conhece num voo e mora próximo à sua casa, não fica muito atrás. Interpretado por Luke Kirby como um cachorrinho para adoção, o rapaz desperta uma paixão incontrolável, recíproca e, oficializada em falas pouco convincentes (ver observação sobre “cachorrinho para adoção”), permeada de tesão.

Entre o Amor e a Paixão às vezes parece apenas uma brincadeira. Um jogo adolescente, transitando entre momentos inspirados e tentativas desengonçadas de reflexão em torno da rotina que acomete certos relacionamentos. A Polley amadurecida aparece numa cena de vestiário feminino, corpos nus de jovens e de idosas colocados em lados opostos; a Polley juvenil surge numa câmera gira-mundo durante sequência de passagem de tempo, as várias fases aventureiras de uma relação que se encareta aos poucos.

Woody Allen, por exemplo, fez mais com muito menos em seu Você Vai Conhecer o Homem de Seus Sonhos (2010), sequer um de seus melhores. No filme, o roteirista encarnado por Josh Brolin percebe que desejo é algo que depende da janela de onde se observa o outro. Cena breve, sutil e com a graciosidade entristecida que Polley parece buscar em todo o seu longa, mas encontrando somente uma comédia romântica no meio do caminho e ali estacionando.
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Já Boa Sorte, Meu Amor, estreia de Daniel Aragão, chama a atenção por, entre altos e baixos, somar à galeria inventiva, criativa e produtiva do atual cinema pernambucano, grande mina da cinematografia nacional. É, a exemplo do brilhante O Som ao Redor, de Kléber Mendonça Filho, filme com um olhada e uma mão dadas a um passado (de pessoas, de regiões e, com sorte, do país) que ditará certas regras no presente.

A fotografia é de Pedro Sotero, também fotógrafo de O Som ao Redor. Realiza aqui um preto e branco severamente contrastante. Boa Sorte, Meu Amor beira o quadrinesco, namorico estético que as divisões de capítulos não deixam negar.

Aragão fez um filme visualmente bonito e, de certa forma, paciente, pois seus rumos finais viram outra coisa, de difícil precisão, com lugar para pelo menos uma cena forte. O acúmulo de incertezas é até capaz de combinar com o tom quase alienígena a que algumas cenas se submetem, como no encontro entre o protagonista e o pai de sua namorada e também ao que me pareceu uma referência (e ponto alto do filme) a Skyscraper Symphony, curta avant-garde de 1929.

Para uma (?) escola (?) tão incomodada com a prédiozação de Recife (Gabriel Mascaro, Kléber Mendonça Filho...), prédios e edifícios se fazendo de equalizadores de notas musicais gritantes é uma passagem que tem seu brilho.

Nosso personagem principal, Dirceu, trabalha justamente para uma empresa de demolição, sujeito próximo a esse mundo feito do que é concreto. Apaixona-se por Maria, estudante de música, garota escorregadia como a arte. Ela lembra uma visão no olhar e na câmera de Aragão, que a introduz com longo close em câmera lenta, uma espécie de encanto faceiro.

O protagonista, porém, não é dos mais fáceis. Trata-se de personagem que, se não é, soa meio babaca, e o filme não demonstra saber lidar muito bem com isso. Boa Sorte, Meu Amor sugere, enfim, uma história de redescoberta, ou melhor, de renascimento – ou, ainda melhor, de reconstrução – mas de um sujeito que não tem muito que oferecer além do que me pareceu ser uma constante tensão mimada.
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Por fim, a frustração da Mostra foi, na verdade, o cancelamento de uma de suas exibições mais esperadas: a cópia digitalmente restaurada (4K, som 7.1, um sonho) de Tubarão, de Steven Spielberg, que teria sido exibido na segunda-feira, 22/10, no Cine Frei Caneca 1. Grande fila, fãs, ingressos aparentemente esgotados, expectativa para ver na tela de cinema um dos melhores (talvez o melhor) Spielbergs.

Era a primeira das quatro sessões programadas para a Mostra. Não rolou. A explicação: “O arquivo não abriu.” Ofereceram um filme russo no lugar.

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