quinta-feira, 27 de setembro de 2012

OLHO NU e NOITES DE REIS



Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, #meu dia 3

OLHO NU, de Joel Pizzini

Olho Nu é jogo ganho com fãs de Ney Matogrosso. Com entrevistas e muitas imagens de arquivo, o documentário de Joel Pizzini acompanha o trajeto da carreira desse cantor brasileiro tão singular em voz e energia performática, homem-bicho com prazer. É também, naturalmente, por ter um artista musical em sua raiz, um doc-vinilzão, desses que são alimentados por muita música e muita cena de show. É assistir, ir pra casa e escutar Ney por algumas horas, disso o documentário é capaz. Por este lado, deve fazer boa parceria com Tropicália, documentário de Marcelo Machado, atualmente em cartaz.

Mas Olho Nu também parece não ter muito para onde ir. Embora apresente certo conteúdo inédito, fica a impressão de não ir além do que já se sabe ou do que já se espera de um artista como Ney Matogrosso. Há depoimentos muito bons, como a inusitada maneira que Ney diz ter descoberto a possibilidade de ter relações homossexuais, e um humor muito querido em sua figura, que, no entanto, não consegue se desprender de um documentário muitas vezes próximo de um especial de TV. Ney vagando sozinho por uma casa ou brincando pela natureza parecem cenas meio perdidas, usadas para preencher o que há de registro documental.

Tirando um ou outro momento, quando Matogrosso revê certas declarações passadas e diz ou revela ter mudado de pensamento (embora não siga muito adiante na reflexão), as entrevistas do hoje se mantêm no superficial, o que, para homem tão rico presente ali, na tela, com todo um Brasil por trás de sua história, é um tanto frustrante. Ele olha seus vinis, comenta a beleza de uma foto de capa e meio que morre por aí.

Fica a sensação, enfim, de que temos aqui um documentário muito aquém da energia artística e humana de quem retrata, e de que um simples rebolado de Ney Matogrosso é mais artístico e político que muita coisa.


NOITES DE REIS, de Vinícius Reis

Último filme que vi em Brasília encerrou meus três dias de Festival com profundo enfado. O longa de Vinícius Reis segue como um cansaço, lamentando perdas e vida a cada cena, até mesmo as "felizes". Marcada para 21h, a sessão começou com quase uma hora de atraso. Arrasto puro, antes, durante e depois.

Bianca Byington interpreta Dora, mãe que sofreu uma perda familiar há alguns anos. No dia seguinte à tragédia, Jorge (Enrique Diaz) a abandona, some, deixando-a apenas com sua filha, Júlia (Raquel Bonfante). Elas vivem numa cidade litorânea do Rio de Janeiro e, na época de Folia de Reis, anos já passados desde o infeliz acontecido, são surpreendidas pelo retorno de Jorge, sua presença abatida desenterrando memórias daninhas.

O reaparecimento de um pai ausente que tenta, enfim, uma reaproximação com a família deixada para trás não é novidade no cinema ou na literatura. O exemplo mais forte de cinema de resgate paterno que me vem à cabeça com alguma rapidez é o russo O Retorno, filme de 2003 de Andrei Zvjagintsev, vencedor do Leão de Ouro no Festival de Veneza daquele ano. É um filme difícil de esquecer, entristecido porém interessante, ciente das muitas aberturas que a passagem de tempo dá às pessoas. Seu polo negativo (ou positivo, talvez) seria Pai e Filho, do também russo Alexandr Sokurov, este um filme com um pai intensamente presente.

Do ritmado e respeitoso pesar do leste europeu, Noites de Reis em nada se aproxima; da capacidade de expressar anos vividos em um semblante em close, muito menos. Diaz ganhou o prêmio de Melhor Ator no Festival, talvez por não ter nenhum outro concorrente, nenhum outro que tenha tanto tempo de tela e em personagem tão... dramático (?). Jorge e Dora parecem sugados de vida, e a direção parece confundir melancolia com aborrecimento, mal-estar com chatice. Com 20 minutos já se entende o clima do filme e se enjoa dele, enfastiado de seu próprio desgosto. Um saco.

Em, se não me engano, não mais que três cenas, tenta respirar com aparições de Flávio Bauraqui interpretando um restaurador de casas, personagem de sorrisos e, infelizmente, nulo em si mesmo (me pergunto se duas ou mais cenas suas foram cortadas). Na verdade, Noites de Reis aparenta mirar alguma metáfora de superação nesse exercício de preservação residencial da pequena cidade, sem dar mais que alguns passos nesse sentido durante um diálogo dentro da antiga casa de Dora.

Uma cena resume toda a sensação da obesa obviedade de Noites de Reis: Dora, sentada à frente de casa, encravada em lamúrias, chora, lágrima descendo claramente pelo rosto, a fotografia escorrendo com ela, céu carregado, e o som de trovão sublinhando tudo isso. Não há dúvidas de que este filme quer demais, demais mesmo, ser um exemplar de cinema deprê.

Nenhum comentário:

Postar um comentário