sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Otto



Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, dia #1

Chego a Brasília e a primeira pessoa com quem topo no lobby do Kubitschek Plaza Hotel é Kléber Mendonça Filho. O Som ao Redor, seu primeiro longa de ficção, passa na tarde de sábado, fora da competição, e é o filme que mais me desperta interesse aqui. Foi muito bom revê-lo e ser apresentado à sua esposa/montadora/produtora Emilie Lesclaux.

Este ano, as sessões ocorrem na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. Para mim, será um festival de três dias, entre seminários e filmes. Ontem consegui ver Otto, novo trabalho de Cao Guimarães (ExIsto, 2010), que apresentou seu filme pelo que explicitamente é: uma declaração ao seu filho, Otto, e, sobretudo, sua esposa, a uruguaia Florencia, sua "flor". Dispensável dizer o quão pessoal é este documentário de 70 minutos, espécie de diário de gestação em imagens encantadoras. Está na Competitiva.


Otto começa com o relato do primeiro encontro entre Guimarães e Flor, os únicos espectadores de uma sessão de cinema no Uruguai. O filme exibido era Andarilho, do próprio Guimarães, configurando o que parece ser um encontro cinéfilo perfeito, um brilho de intimidade. Se a cinefilia clássica prezava o ver coletivo e Susan Sontag evocava a necessidade de se assistir a filmes ao lado de estranhos anônimos, é num mínimo de coletivo, mas ainda numa sala de cinema, que Guimarães parece ter encontrado seu par. A narração é do próprio diretor e esta introdução acontece em tela preta, memória sua e imaginação nossa.


Em outros momentos, esta narração parece adicionar um pouco mais de peso a tudo aquilo, a todos os momentos pequenos, fugazes, porém importantes e, literalmente, memoráveis. Guimarães elabora simbolismos e metáforas, mas seu tom carregado às vezes sublinha o negrito, o que pode ter me tirado a atenção aqui e ali. Há, no entanto, passagens de extrema beleza, como a metáfora da fecundação, comparada a uma pesca; um plano sob o que parece ser uma ponte mostra apenas uma série de varas de pescar, para depois se concentrar apenas nas linhas. Esse tipo de simplicidade percorre o filme todo. Espumas, objetos balançando, água, areia, bolhas de ar, cascos de árvores e uma extensa relação entre mundo/existência e indivíduo; Flor saboreando um melão, vejam só, é cena com pulso e batimentos. Bonito.


O ritmo de Otto lembra o de sua gestação, e temos aqui o que talvez seja mais admirável, que é a capacidade de transformar o processo de nascimento de uma criança, evento tão natural, em algo um tanto alienígena (a trilha, de O Grivo, é sensacional). Com mais da metade da projeção rodada, barriga crescida, closes em umbigos e corpos, é quase como se fosse um acontecimento novo, desconhecido,  deixando sensação de incerteza sobre o que acontece com o físico desta mulher e o que ela traz ali. A primeira aparição de Otto é algo assim, e é muito bom.


Há, enfim, a impressão de um flerte com o metafísico, embora Otto não seja obra complicada, de modo algum. Guimarães encerra com uma citação de Demócrito, reflexão sobre o ser e o não-ser, o que parece resumir com perfeição uma série de imagens capaz de fazer respirar tudo o que enquadra, coisas vivas e não vivas. É, nas palavras do próprio cineasta, filme de amor, sem dúvidas. Penso, agora, que pode ser não de amor à sua família, mas apenas de amor. Muito bom.

2 comentários:

  1. gostei do texto. e do filme, por antecipação.

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  2. Obrigado, Fabi! Bom tê-la por aqui. E procure mesmo ver o filme, quando possível. Abs!

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