segunda-feira, 24 de setembro de 2012

DOMÉSTICA e ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA




Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, #meu dia 2

DOMÉSTICA, de Gabriel Mascaro

Doméstica talvez seja um grande filme. O novo documentário de Gabriel Mascaro (Avenida Brasília Formosa, 2010) me deixou suspenso durante a projeção, sem saber direito o que fazer com aquilo que eu via. É um dos exemplares da força pernambucana que esteve presente no Festival, ao lado de Boa Sorte, Meu Amor, de Daniel Aragão e Era Uma Vez Eu, Verônica, de Marcelo Gomes, e Eles Voltam, de Marcelo Lordello; o já internacionalmente premiado O Som ao Redor, do Kléber Mendonça Filho, foi exibido fora de competição.

Aqui, Mascaro vai mais uma vez ao registro do cotidiano, organizando todo um material coletado no núcleo de sete famílias que possuem empregadas domésticas. A câmera, na verdade, é cedida aos adolescentes das famílias (sete ao todo), responsáveis por tudo o que vemos e ouvimos ali. Quase sempre, são jovens nascidos ou tomados por gente já dentro dessas relações familiares-empregatícias de mais de 10 anos, e observar um discurso que eles tentam construir (até onde a edição do filme permita) munidos de câmera é de uma riqueza imediata. Penso se Doméstica não será um desses docs descobertos por faculdades, podendo muitas vezes ser desgastado por aulas que somente o vejam tematicamente. É muito mais que isso.

Antes de cada residência ter seu momento, cerca de 10 minutos, câmera-garoto ou câmera-garota se apresentam. Em quase todas as introduções, há alguma vaidade e um humor bem sutil extraído de todo o conjunto do filme. Visto aqui no Fest. de Brasília, eu reservava parte da atenção para o público e suas reações. Doméstica parece ter sido tomado como divertido (e é, algumas boas vezes), o que leva a um baque durante a filmagem dedicada a uma das empregadas.

Por mais que a maioria das famílias vistas em Doméstica seja, naturalmente, classe média, é notável a preocupação de Mascaro em escolher uma variedade de relações e histórias. Pelo menos duas delas surgem contra uma ideia pré-concebida de trabalho doméstico.

Em 2010, a iniciativa de apostar na guia do olhar de outros e gerar um documentário a partir disso teve em Pacific, de Marcelo Pedroso, um exemplo capaz de fascinar, sobretudo por, segundo os informes dos créditos, ter seus níveis de redução ainda mais subtraídos (passageiros de um cruzeiro foram abordados pela equipe de Pedroso somente depois). O filme de Mascaro é uma espécie de irmão de Pacific, também exibindo uma essencialidade máxima da construção de cinema (e da "verdade documental") pela edição/montagem.

É um projeto arriscado de seu ponto de partida. Lida com este elemento tão delicado e formador, sobretudo no desenvolvimento de um Brasil, que é a classe social e seu plural. Doméstica me deixou inquieto, e ainda fico tentando entender exatamente o porquê. Escrever isso aqui 11 horas depois me parece tentativa frágil de pegar o filme no laço. Bem raro, filmes assim.


ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA, de Marcelo Gomes

Havia certa ansiedade aqui. Marcelo Gomes estreou com a belezura de Cinema, Aspirinas e Urubus (2005) e quatro anos depois soltou a jóinha Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, codirigida com Karim Ainouz. São razões para se esperar muito de um próximo filme, e Era Uma Vez Eu, Verônica talvez sofra com isso, em não ser o grande filme que se espera que seja. Chega a ser curioso, essa velocidade de cobrança e expectativa diante de um cineasta que, querendo ou não, ainda está no terceiro filme. Pode ser, também, pelo atual momento do cinema pernambucano, criativo e produtivo, estimulante e, portanto, digno de aguardo.

Neste seu terceiro longa, Gomes traz Hermila Guedes, a Suely de O Céu de Suely (2006, de Karim Ainouz), que aqui interpreta uma estudante de enfermagem em início de residência. Ela é Verônica, registrando frustrações e libido num gravador, como se tentasse se descobrir num vai-e-vem de família, profissão e sexo, tríade de um ser humano comum.

Verônica fala muito de sua libido. Gomes filma cenas de sexo com vontade e apertos, coisa de deixar marca. Com a abertura que Era Uma Vez Eu, Verônica tem, é a parte mais interessante do filme e da personagem, muito embora o filme sempre pareça recuar na hora de interligar os desejos. Por mais que Gomes tenha plena noção de onde levar Verônica em sua (pequena) trajetória na tela, parece hesitar em entrar com tudo, deixando o belo exemplo de cinema que é o ideal de felicidade de Verônica como se fosse dois colchetes que tentam segurar o restante. 

Quanto a Hermila, ela, aí sim, é grande. É muito bom olhar para ela, seja em cenas de alegria ou em momentos de desconforto, de olhares que tentam fugir para os cantos. É bem provável que Hermila seja maior que Verônica, e a existência dessa atriz esteja acima do existencialismo da personagem. Antes da exibição, Gomes disse ter feito o filme para ela.

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