Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, #meu dia 2
DOMÉSTICA, de Gabriel Mascaro
Doméstica talvez seja um grande filme. O novo documentário de
Gabriel Mascaro (Avenida Brasília Formosa, 2010) me deixou suspenso
durante a projeção, sem saber direito o que fazer com aquilo que eu via. É um
dos exemplares da força pernambucana que esteve presente no Festival, ao lado
de Boa Sorte, Meu Amor, de
Daniel Aragão e Era Uma Vez
Eu, Verônica, de Marcelo Gomes, e Eles
Voltam, de Marcelo Lordello; o já internacionalmente premiado O Som ao Redor, do Kléber
Mendonça Filho, foi exibido fora de competição.
Aqui, Mascaro vai mais uma vez ao
registro do cotidiano, organizando todo um material coletado no núcleo de sete
famílias que possuem empregadas domésticas. A câmera, na verdade, é cedida aos
adolescentes das famílias (sete ao todo), responsáveis por tudo o que vemos e
ouvimos ali. Quase sempre, são jovens nascidos ou tomados por gente já dentro
dessas relações familiares-empregatícias de mais de 10 anos, e observar um
discurso que eles tentam construir (até onde a edição do filme permita) munidos
de câmera é de uma riqueza imediata. Penso se Doméstica não
será um desses docs descobertos por faculdades, podendo muitas vezes ser
desgastado por aulas que somente o vejam tematicamente. É muito mais que isso.
Antes de cada residência ter seu
momento, cerca de 10 minutos, câmera-garoto ou câmera-garota se apresentam. Em
quase todas as introduções, há alguma vaidade e um humor bem sutil extraído de
todo o conjunto do filme. Visto aqui no Fest. de Brasília, eu reservava parte
da atenção para o público e suas reações. Doméstica parece
ter sido tomado como divertido (e é, algumas boas vezes), o que leva a um baque
durante a filmagem dedicada a uma das empregadas.
Por mais que a maioria das famílias
vistas em Doméstica seja,
naturalmente, classe média, é notável a preocupação de Mascaro em escolher uma
variedade de relações e histórias. Pelo menos duas delas surgem contra uma
ideia pré-concebida de trabalho doméstico.
Em 2010, a iniciativa de apostar na
guia do olhar de outros e gerar um documentário a partir disso teve em Pacific, de Marcelo Pedroso, um
exemplo capaz de fascinar, sobretudo por, segundo os informes dos créditos, ter
seus níveis de redução ainda mais subtraídos (passageiros de um cruzeiro foram
abordados pela equipe de Pedroso somente depois). O filme de Mascaro é uma
espécie de irmão de Pacific, também
exibindo uma essencialidade máxima da construção de cinema (e da "verdade
documental") pela edição/montagem.
É um projeto arriscado de seu ponto
de partida. Lida com este elemento tão delicado e formador, sobretudo no
desenvolvimento de um Brasil, que é a classe social e seu plural. Doméstica me deixou
inquieto, e ainda fico tentando entender exatamente o porquê. Escrever isso
aqui 11 horas depois me parece tentativa frágil de pegar o filme no laço. Bem
raro, filmes assim.
ERA UMA VEZ EU, VERÔNICA, de
Marcelo Gomes
Havia certa ansiedade aqui. Marcelo
Gomes estreou com a belezura de Cinema,
Aspirinas e Urubus (2005) e
quatro anos depois soltou a jóinha Viajo
Porque Preciso, Volto Porque Te Amo, codirigida com Karim Ainouz. São
razões para se esperar muito de um próximo filme, e Era Uma Vez Eu, Verônica talvez
sofra com isso, em não ser o grande filme que se espera que seja. Chega a ser
curioso, essa velocidade de cobrança e expectativa diante de um cineasta que,
querendo ou não, ainda está no terceiro filme. Pode ser, também, pelo atual
momento do cinema pernambucano, criativo e produtivo, estimulante e, portanto,
digno de aguardo.
Neste seu terceiro longa, Gomes
traz Hermila Guedes, a Suely de O
Céu de Suely (2006, de Karim Ainouz), que aqui interpreta uma
estudante de enfermagem em início de residência. Ela é Verônica, registrando
frustrações e libido num gravador, como se tentasse se descobrir num vai-e-vem
de família, profissão e sexo, tríade de um ser humano comum.
Verônica fala muito de sua libido.
Gomes filma cenas de sexo com vontade e apertos, coisa de deixar marca. Com a
abertura que Era Uma Vez Eu,
Verônica tem, é a parte mais interessante do filme e da personagem,
muito embora o filme sempre pareça recuar na hora de interligar os desejos. Por
mais que Gomes tenha plena noção de onde levar Verônica em sua (pequena)
trajetória na tela, parece hesitar em entrar com tudo, deixando o belo exemplo
de cinema que é o ideal de felicidade de Verônica como se fosse dois colchetes
que tentam segurar o restante.
Quanto a Hermila, ela, aí sim, é
grande. É muito bom olhar para ela, seja em cenas de alegria ou em
momentos de desconforto, de olhares que tentam fugir para os cantos. É bem
provável que Hermila seja maior que Verônica, e a existência dessa atriz esteja
acima do existencialismo da personagem. Antes da exibição, Gomes disse ter feito o filme para ela.
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