quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Mandíbulas e o prazer do outro


Foto tirada de onde eu estava sentado na sessão do Cinesesc, Outubro/2012.

Dia desses pra trás, estava eu aplicando Tubarão em uma pessoa que nunca tinha visto este maravilhoso Spielberg antes. Ela é sensível ao medo. Compreensível. E fascinante, em termos de cinema, esse brilho de realidade que sabemos ser simulado, mas entramos nisso de bom grado, porque é bom.

O filósofo Kendall Walton fala sobre isso em seu texto "Temores fictícios", e é criticado pelo também filósofo Gregory Currie num artigo chamado "Ficções visuais". Ambos versam sobre essa característica do faz-de-conta e estão no primeiro volume daquela coletânea bicolor da SENAC, Teoria Contemporânea do Cinema. São textos meio truncados, mas valem a leitura.

Falei tudo isso para, na verdade, dizer que me lembrei da magnífica sessão da cópia digitalmente restaurada, no Cinesesc de São Paulo, durante a Mostra do ano passado. Eu era o quinto na fila e pude escolher o lugar que quisesse. Prefiro um pouco à frente do meio, ligeiramente à esquerda, e foi lá mesmo. Perfeição.

Do segundo ataque em diante, aquele do garotinho, com toda a preparação da montagem (brilhante, foda, obra-prima) na praia, pessoas atrapalhando a visão de Brody (Roy Scheider), um Spielberg sem medo de transformar crianças em amontoados de sangue, passei a manter um olho na tela e outro no casal da fileira da frente, duas ou três poltronas à minha direita.

A garota era a pessoa mais feliz daquela sala, provavelmente. Assistia ao filme pela primeira vez, estava claro. Ali, no cinema, imagem e sons perfeitos, quase uma espectadora de 1975. Cada som mais alto, um salto. A cada sugestão ou aparição do bicho, ela se encolhia no ombro do namorado, virava o rosto, voltava a olhar pra tela, escondia de novo. O rapaz se divertia com isso. Abraçava. Explicava algumas coisas, talvez processos de filmagem, como o truque de utilizar uma pequena gaiola diante de um tubarão normal, fazendo do animal uma besta enorme.

Ela foi muito feliz. Ele também.

Um prazer cinéfilo reside justamente aí, em "apresentar", ou melhor, em acompanhar a primeira vez de pessoas queridas. Existe aquela sensação de "legado", que pode ser mais importante do que nos parece. O cinéfilo, hoje, também virou uma espécie de arquivista.

Outra impressão valiosa é a de quase experimentar a sua primeira vez de novo. Desde que seja um prazer semelhante, claro. É um primeiro contato. Com Tubarão, difícil errar.

Mais do que isso, é a genuína alegria em ver o prazer do outro. O namorado estava feliz por ela. Eu estava feliz por ela. Por sua estreia tão privilegiada em um clássico, ainda que tardia. Cinema permite essas coisas bonitas entre pessoas, sejam elas muito próximas ou estranhas anônimas.  Tubarão permite essas coisas. Filme incrível.

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