segunda-feira, 22 de abril de 2013

A Visitante Francesa



Hong Sang-soo de volta ao Cine Cultura

O cinema de Hong Sang-soo, cineasta sul-coreano, parece ter encontrado um maior nicho de interesse aqui no Brasil, indo além de festivais. Num período de três meses, o nosso Cine Cultura conseguiu trazer dois de seus longas recentes: em janeiro, Hahaha (2010), e, agora, A Visitante Francesa (2012), em cartaz até 25 de abril. Que bom.

Há quem diga, ao começar a se familiarizar com a obra de Sang-soo, que ele faz sempre o mesmo filme, entrando no que seria um suposto jogo de repetição: a narrativa dividida em três versões minimamente distintas; a ligação de um ou outro personagem com o ofício do cinema; as conversas, encontros e reencontros ao redor de uma mesa, servidos de comida e bebida. Estes seriam os mais evidentes, estrutura e estilo que acabam por sugerir que alguns filmes, ou uma carreira, são lapidados nos detalhes, nas discrições. Um pouco como algumas vidas se fazem e se definem em pequenas escolhas.

Aqui, ele traz Isabelle Huppert no papel da francesa do título. Huppert interpreta, na verdade, três variações dessa mulher europeia que, com passado e histórias únicas em cada pedaço do longa, chega a uma pequena cidade da Coreia do Sul e se hospeda num resort litorâneo. Ali, em terra distante, em volta de limitações linguísticas (fracassadas ou bem-sucedidas, as tentativas de comunicação dependem do inglês), ela dividirá parte de seu tempo com outros hóspedes e alguns habitantes locais, entre eles um nadador salva-vidas.

Por fora, ainda sabemos de antemão que esses pequenos contos não são apenas criações de Sang-soo, mas de outra personagem, garota sul-coreana que escreve estes roteiros para vendê-los e, enfim, pagar dívidas. Ainda que em escala diminuta, o universo do cinema tem presença máxima, controlando tudo, absorvendo todos, construindo e imaginando. Além do mais, é fruto de uma jovem que se propõe a escrever uma estrangeira, algo interessante de se pensar durante a projeção.

Em inglês, o filme circula como In Another Country ("Em outro país"), tradução que parece ter sido bem mais feliz em sua escolha, embora o título nacional tenha alguma beleza literária. O ligeiro deslocamento visto aqui poderia servir para qualquer um que estivesse em qualquer país mais distinto em cultura. Ou pelo menos de qualquer ocidental em visita ao oriente. Huppert até passa alguma insegurança ou desconforto à personagem, coisa boa de se ver numa atriz "do mundo". Tem 60 anos e consegue transparecer a graciosidade de uma garota sem deixar de ser senhora adulta. Muito bom.

Nas três unidades, a língua será uma espécie de barreira, mas não muito espessa. Corpos falam, se comunicam entre si e também com o espectador. No livro Figuras Traçadas na Luz, David Bordwell oferece essa leitura de imagem ao filme A Virgem Desnudada por seus Celibatários (2000), análise de encenação que cabe em qualquer cena de Sang-soo que traga um grupo de pessoas comendo à mesa. Quem se movimenta mais? Quem olha para quem ou para onde? Quem toma mais espaço ou se posiciona de algum modo num momento preciso de diálogo, nos direcionando para o que ocorre na tela? Tudo isso em plano único, sem cortes. Sango-soo filma gente comendo e bebendo de um jeito especial, gostoso de ver.

Em A Visitante Francesa, parte da tensão que surge num churrasco vem daí, dos corpos e seus movimentos. Essa conversa entre corpos e comportamento é bastante clara nas topadas com o salva-vidas, sujeito meio abobalhado, objeto de atração e descontração. Em outro momento, na sacada do resort, outro lugar específico de encontro e diálogo, a tensão ou falta dela vem do que está, em princípio, fora do enquadramento, apenas revelado com o movimento de câmera, que então mostra a presença de outra personagem no mesmo ambiente.

Acaba por ser um teste de visão, interpretação e, às vezes, imaginação, como a carta que conclui uma das histórias. Filme leve, com alguma graça e humor (cabras...), certamente sem aquele acerto absoluto ao fazer um grande filme com o que há de mais simples nas pessoas, como em The Day He Arrives (2011), mas ainda capaz de refletir, quase que de forma religiosa, através de uma garrafa jogada na areia à beira mar.

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