sexta-feira, 12 de abril de 2013

Mostra Pedro Almodóvar



Pedro Almodóvar no Cine UFG

Certa vez, à época da estreia de A Pele que Habito no Brasil, li um comentário que não escondia aversão às supostas "ideologias" de Pedro Almodóvar. O autor do depoimento alegava que Almodóvar expunha "travestis, transformistas, pedofilia, mudança de sexo e outras bizarrices (sic)" como temas habituais de seus protagonistas. Pensamento obtuso, claro, até porque as preocupações de Almodóvar são, sobretudo, humanas, a respeito das relações entre pessoas.

Uma pena, portanto, que não tenha sequer um debate agendado durante a Mostra Pedro Almodóvar no Cine UFG. É a única queixa a ser feita a esta mostra que inaugura tão bem a programação do cinema da universidade este ano. O Cine UFG, inclusive por estar localizado no Campus II, logo adquiriu um caráter educador (não necessariamente pedagógico), e a obra de Almodóvar é dessas que se abre sobre um campo de possibilidades, mesmo que estas possam se distanciar do âmbito cinematográfico. Nada contra, aliás. Um debate que apenas utilizasse os filmes como instrumento para discutir identidade e outras questões relacionadas seria essencial - e útil, assim eu gostaria de acreditar - para o caso acima.

Mas, enfim, o que dizer da Mostra Pedro Almodóvar? Recomendar? Espécie de grife do cinema espanhol contemporâneo, Almodóvar já dispensa esse tipo de coisa. Desde Tudo Sobre Minha Mãe (1999), pelo menos. É mais conhecido e reconhecido que Bigas Luna (falecido há poucos dias, em 05 de abril) e Julio Medem, talvez até mesmo que Carlos Saura. Ao lado de Buñuel (nacionalizado mexicano, mas nascido em Teruel, Espanha), de quem beberica influências, Almodóvar é o grande cabeça-de-chave da cinematografia espanhola.

Tudo indica que esta mostra pode ser uma das mais bem recebidas pelo público do Cine UFG, frequentado praticamente pelos estudantes universitários. Com curadoria do professor Gabriel Adams, cujo mestrado é justamente sobre o cineasta, a programação tem de tudo, inclusive Pepi, Luci, Bom e Outras Garotas de Montão (1980), um dos primeiros do diretor e filme não tão fácil de encontrar. Entre uma aula e outra, lá estão estas oportunidades.

Particularmente, tenho preferência pelo Almodóvar dos últimos 15 anos, de Carne Trêmula (1997) em diante. Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos (1988) e Ata-me! (1990) continuam vivos e interessantes, mas as décadas de 1980 e 1990 parecem revelar, hoje, uma filmografia escorregadia em seu atrevimento.

É desde essa época que Almodóvar já abraça e, talvez mais importante, experimenta seu estilo. Adota as cores, o kitsch, o exagero e, com sorte, algum enigma. No percurso, solta filmes como O Que Fiz Eu Para Merecer Isto? (1984) e Kika (1993), que, de tão aloprados, mais parecem brincadeiras, embora estejam de perfeito acordo com um cinema que não tinha preocupações de se conter. Seu filmar sempre me pareceu interessado na expressão acima de tudo. De todo modo, são verdadeiros filmes, sem dúvida.

O amadurecimento me parece notável a partir de Carne Trêmula, seguido de Tudo Sobre Minha Mãe. Seu cinema não abandona o colorido, tampouco o kitsch (a casa de Penélope Cruz em Volver quase pede um glacê por cima), mas os excessos agora sugerem uma elegância quase que completamente domada.

Aparentemente improváveis, algumas de suas situações surgem mais sofisticadas nesses últimos anos: o íntimo diálogo entre travestismo, paternidade e maternidade em Tudo Sobre Minha Mãe; uma cena de sexo não consentido que é construída na pureza do romance ingênuo em Fale com Ela (2002); A Pele que Habito (2011), filme que se revela inteiro numa elaborada questão acerca da relação entre sexo e corpo. Tem mais, muito mais.

Meu favorito, no entanto, é Má Educação (2004), considerado "o filme masculino" de Almodóvar, que sempre demonstrou maior interesse pelas mulheres, até quando lançava a carreira de Antonio Banderas. Em Má Educação, ele vai direto à religião, mas disfarçado de noir. No caso de Almodóvar, um noir de tintas e com uma femme fatale que é, na verdade, um homme fatale. É seu trabalho mais delicado e que, a meu ver, abrange tudo o que lhe importa, além de conceber o uso mais bonito da canção "Moon River" em um filme.

A Mostra Pedro Almodóvar acontece até o dia 30 de abril, com sessões às 12h e 17h30. A programação pode ser conferida no site da PROEC-UFG: http://www.proec.ufg.br/

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