domingo, 30 de dezembro de 2012

O Hobbit - Uma Viagem Inesperada




Cinema pouco inesperado

Revisitar um mesmo universo não é algo incomum nesse cinema que, desde os anos 80, soube se apoderar do gosto do público pelas sequências, pela continuação de uma experiência consagrada, com o invariável talento de Hollywood para multiplicar tudo isso em cifras. No seu melhor e no seu pior, George Lucas e seu Star Wars estão aí até hoje, infindáveis.

O Hobbit chega aos cinemas nesta última quinzena de dezembro com a promessa de “estreia do ano” e também de investimento técnico da vez, filmado a 48 frames por segundo, o dobro das filmagens tradicionais do cinema, deixando o filme com cara de, dizem, um telão de LED. Vi em 2D-24 fps, hoje uma sensação quase de “à moda antiga”, então falta conferir esse suposto salto tecnológico que ainda corre o perigo de ser um fracasso. De todo modo, é curioso que em meio a cada vez menor sobrevivência da película diante do digital, um blockbuster dessa magnitude pense como avanço uma imagem que, ao que parece, aproxima-se de uma plasticidade televisiva.

Toda essa responsabilidade de marketing se relaciona com expectativas lucrativas e, não podemos subestimar, emocionais, uma vez que reenvolve quantidade significativa de fãs não apenas literários, mas também cinematográficos. Entre 2001 e 2004, O Senhor dos Anéis, projeto arriscado de três longas em conjunto, bateu recordes de bilheteria e se consolidou um marco no épico de fantasia. Dirigido pelo mesmo Peter Jackson, O Hobbit confia tanto num passado de 10 anos que aposta em outra trilogia, ainda que baseado em livro três vezes menor: sem conclusão definitiva até o final de 2014, é claramente encarado como um novo O Senhor dos Anéis, embora não seja.

A primeira diferença fundamental está no seu tom, boa parte dele devota do livro, escrito para crianças. Às vezes de maneira até ousada, agregando certo número de cantorias e um timing cômico abrangente, aqui Peter Jackson, um belo condutor de histórias grandiosas (seu King Kong é incrível), parece exercer muito mais a função de relator do que a de criador de outro épico imenso. Relata até demais, amplia até demais o mundo que tem em mãos, adicionando personagens por mera curiosidade (Radagast, bobo, infantil, aparições completamente Disney World), mas, mesmo obedecendo a expectativas blockbusterianas de sequências de ação, o que se tem aqui é obra menor.

Desde o princípio, O Hobbit briha mais quando se distancia do que lhe seria mais épico. No papel do hobbit Bilbo Bolseiro, interpretado por Ian Holm em O Senhor dos Anéis, que se passa 60 anos depois, Martin Freeman é um acerto absoluto em seus olhares, hesitações e domínio de um texto tão sólido quanto divertido. Numa trilogia que se vê na necessidade de repetir o gigantesco, o seu melhor está na atuação do pequeno herói frágil. Uma cena de disputa de charadas, célebre momento para os leitores, é ponto forte do cinema travesso de Jackson e deve ser um enigma para crianças, do riso ao temor em segundos. Muito bom.

Em resumo, Bilbo é convocado por Gandalf (Ian McKellen, repetindo o papel) a auxiliar 13 anões a recuperar suas riquezas, tomadas anos antes por um dragão despeitado chamado Smaug. Para isso, devem cruzar parte da Terra-Média, o fascinante continente fantasioso criado pela literatura de Tolkien, a fim de chegarem à montanha onde reside o bicho.

Jackson introduz essa história com a energia do prelúdio de sua trilogia anterior. Não revela, mas apenas sugere uma imagem que se possa ter do dragão, animal icônico das fantasias e imaginações, portanto digno do suspense visual. Jackson tem um momento inspirado nesse início, quando faz com que uma sugestiva pipa invada a tela pela direita, fora de campo, precedendo os ataques de Smaug.

Essa habilidade do diretor de contar histórias permanece admirável. Com quase três horas e se estruturando em outros dois longas de mesma duração, admito ter me surpreendido com um ritmo que me deixou a impressão de estar diante de uma produção redonda de duas horas. Por outro lado, é estranhamente inconclusivo, sobretudo na (inicialmente coerente) necessidade de se criar um vilão-de-primeira-parte que... ganha sobrevida para o próximo episódio.

Não muito atrás, é quase impossível distinguir os anões, sendo mais prático pensá-los apenas como um grupo, um bloco de personagens, exceto pelo líder, que talvez seja presença tão inexpressiva quanto sua importância narrativa (o ator parece sempre ter acabado de acordar), o que, por tabela, compromete outras questões (sua relação com Bilbo, por exemplo).

Dez anos depois, O Senhor dos Anéis ainda me impressiona como épico hercúleo que é, um desses feitos memoráveis. O Hobbit, porém, me parece não exatamente um teste de paciência, mas de curiosidade. De tão familiarizado com este universo, Jackson o traz de volta com uma espécie de selo de garantia, um “padrão de qualidade” que, ao contrário do que era arriscado há uma década, agora soa como defensivo. As mesmas câmeras, a mesma fotografia, muito pouco do “novo” que outro diretor, como o anteriormente cotado (contratado?) Guillermo del Toro, poderia inserir de maneira interessante num projeto desses. Aqui, por enquanto, há pouco com o que se surpreender.

p.s.: impressão depois de ver em 48 fps: parece um museusão de cera em movimento. É estranho. Tô velho pra 3D, esse entojo nos olhos. Tô velho pra 48 fps? Ainda não sei dizer. Fico pensando até que ponto não é reflexo de uma intimidade com plasmas, LCDs e LEDs já adquirida pelo "novo" público (Terra-Média tá com a maior cara de National Geographic). É uma espécie de cine aquário.

Cinema não exige fidelidade a único formato (ainda bem), mas a tradicional película ainda é minha melhor amiga. Filmes parecem bichos vivos nela, quase como se quisessem escapar. Cinema sempre foi coisa viva pra mim.

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