domingo, 30 de dezembro de 2012

A Vida Útil



Filme em perfeita sintonia com a reabertura do Cine Cultura

Após meses fechado para reformas, o Cine Cultura volta às suas atividades nesta sexta-feira, 07 de dezembro. Localizado na Praça Cívica, o cinema conhecido como "o mais charmoso de Goiânia" não poderia ter escolhido melhor reabertura: La Vida Útil (2010), de Federico Veiroj, cineasta uruguaio. Com 70 minutos de duração, o longa será exibido na sessão de 18h30 de segunda à sexta e na sessão de 17h aos sábados e domingos.

Como é sabido, salas de rua tornaram-se espécies em extinção, sobretudo a partir da virada dos anos 70 para os anos 80, quando Hollywood entendeu que shopping centers eram um excelente lugar para os negócios, e que Tubarão e Star Wars apontavam um modelo a ser seguido. A cinefilia teve de se adaptar, o público mudou. Aos poucos, as pessoas deixaram de ir ao cinema e adquiriram um hábito mais... sedutor(?): consumir o cinema, e em um local onde poderiam consumir muitas outras coisas.

Soma-se a isso o fato do cinema também desprender-se da sala de exibição, da tela grande, encontrando seu novo lugar nas fitas VHS, nos DVDs, nas TVs por assinatura e, hoje, nos arquivos virtuais, na imaterialidade da "nuvem". O olhar coletivo encontrou um amigo rival: o ver doméstico.

O filme de Veiroj fala justamente de um cinema pouco sobrevivente, de exibições alternativas e autorais,   como ciclo de filmes uruguaios e Mostra Manoel de Oliveira. É a Cinemateca de Montevidéu, mas poderia ser qualquer cinema de rua da América Latina.

Acompanhamos Jorge (Jorge Jellinek), funcionário da Cinemateca da capital uruguaia por mais de 20 anos. É sua rotina de trabalho que lembrará o espectador o quanto há de ofícios comuns e burocráticos por trás do prazer de assistir a um filme, além dos inúmeros esforços para que esse tipo de cinema seja mantido vivo. São salas atordoadas por problemas técnicos e flanqueadas por dependências administrativas, sendo o "economicamente não rentável" um motivo para cordas no pescoço.

Numa cena de discurso mais explítico, outro personagem explica a importância destas salas não apenas como exibidoras, mas como espaços de aprendizado e formação de espectadores. A política de público das cinematecas, tão importante nas décadas de 1950 e 1960, ficou para trás assim como o nostálgico preto-e-branco de La Vida Útil virou sinônimo de passado.

Os últimos suspiros do lugar parecem estar no som das cortinas se abrindo, no barulho do rolo de filme no projetor e no movimento das portas, tão sozinhas quanto Jorge, detalhes e instantes que Veiroj filma com afetuoso interesse, revelando paixão e lamento. Não por acaso, mesmo distante de sua Cinemateca, Jorge parece procurar pequenos momentos cinematográficos para sua vida, com uma cena nas escadas de uma universidade sendo das mais bonitas e encantadoras.

É um filme com um forte clima de solidão e abandono. Não exatamente de pessoas (de alguma forma, elas estão salvas, surpreendentemente!), mas a solidão de um tipo de cinema e, não muito atrás, de um tipo de prazer.

Assistir a La Vida Útil num cinema como o Cine Cultura é, em certa medida, ser o filme. Ou, na mais feliz das hipóteses, declarar que sua atmosfera cinefilamente fúnebre (mas doce e, por fim, esperançosa) ainda pode se enganar.

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