sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Crítico



As primeiras imagens de Crítico trazem um paralelo entre rolos de película e “rolos” de impressão de jornal. É uma montagem que parece ecoar François Truffaut e sua declaração de que assistir cinema e escrever sobre cinema também é fazer cinema. Em todo caso, a estrutura que envolve o cinema talvez tenha no crítico sua figura mais incompreendida. Assim como os cineastas, costuma ter algo de distante, encarado como aquele que supostamente pretende dizer o que o filme é de fato. Em uma de suas grandes falas, André Bazin já dizia, contudo, que “a função do crítico não é trazer numa bandeja de prata uma verdade que não existe, mas prolongar o máximo possível, na inteligência e na sensibilidade dos que o leem, o impacto da obra de arte.” Discípulo de Bazin, Truffaut nos lembra a impossibilidade de cinema ser ciência, logo não havendo razão para que a crítica seja.

Dirigido pelo crítico e cineasta pernambucano Kléber Mendonça Filho, Crítico oferece em seus 76 minutos uma noção desses múltiplos olhares e pensares da crítica e, de certa forma, do espectador como um todo. Munido de uma série de entrevistas com cineastas e críticos de cinema coletadas durante oito anos, Kléber anda de mãos dadas com o documentário Bem Me Quer...Mal Me Quer (2004), de Maria de Medeiros, também com material capturado em edições do Festival de Cannes, onde muitos filmes nascem para o mundo. Realiza aqui o que parece ser uma rica reflexão sobre o cinema, quem o faz e quem o escreve, tendo na palavra de dezenas de profissionais a elaboração de um olhar sobre a relação entre os papéis do crítico e do cineasta no cinema, relação por vezes conflituosa, por vezes complementar, mas sempre diante de um escopo mais amplo. Tempo de escrita em festivais (em Cannes, são corridas 2 horas para um texto), autoria, intenções dos cineastas, proximidade entre profissionais e pessoalidade são alguns dos muitos interesses de alguém que cumpre a dupla função, um cineasta crítico (ou crítico cineasta) entrevistando críticos e cineastas.

Em Crítico, Kléber pode ter imergido numa espécie de auto-investigação a procura de uma maior compreensão do cinema não pelas obras, mas pelas pessoas que as compõem. Entrevistados aparecem com envolvente franqueza e interesse, abertos, até mesmo vulneráveis, expostos a um tema caro e delicado, mas que não parecem se incomodar porque Kléber guia tudo como uma grande conversa sobre cinema, paixão comum a todos. Embora reserve espaço para atritos e rusgas que inevitavelmente surgem nesse tipo de relação (segundo o cineasta Sérgio Bianchi, há "uma montanha de ressentimento" em parte da crítica brasileira), são mínimos os traços de “arrogância”, imagem que, sabemos, é associada tanto a críticos quanto a diretores, colocados aqui num ping-pongão que tem no cinema a sua rede.

Uma pergunta-resposta entre o jornalista Michel Polac e Jean-Luc Godard abre o documentário nos lembrando que os filmes não mudam, e sim quem os assiste. Não parece haver melhor relato para introduzir um filme que demonstrará o quanto isso pode ser complexo, e Crítico parece sugerir que, se é o olhar de quem assiste que muda, então os filmes mudam com ele. No depoimento de uma crítica, o cineasta Abbas Kiarostami é citado ao ilustrar que o juízo de valor, o gostar ou não gostar de filmes, é muito mais uma questão de momento; na vez de Carlos Reichenbach, o diretor relata como um crítico o fez perceber uma constante na sua filmografia que jamais tinha notado até então, apontando aí a ideia da crítica como um possível veículo do inconsciente. Uma a uma, cada entrevista revela curiosas personas do ofício.

Kléber, que sempre me pareceu possuir um dos olhares mais sensatos e atentos para o Cinema, nunca hesitou em deixar claro o valor de uma perspectiva pessoal na arte. Estreia no longa-metragem, Crítico acaba por refletir com preciosidade uma das falas de seu autor: "filmes são o que são mais o que nós somos."

*o filme estreia hoje em Goiânia no Cine Cultura como parte da Sessão Vitrine. Kléber escreve para o Jornal do Commercio de Pernambuco e no seu blog, Cinemascópio. Atualmente, finaliza seu primeiro longa de ficção, O Som ao Redor.

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