sábado, 29 de outubro de 2011

Blokada




Corpo na neve e bala de canhão

Do filmes que vi nos últimos meses, um que certamente me impressionou alguns níveis além do habitual foi My Joy (2010), do russo Sergei Loznitsa, em competição no penúltimo Festival de Cannes. Primeiro longa de ficção do cineasta, é um filme que, condizente com sua abertura, se comunica como espatuladas de cimento, secando e endurecendo por duas horas. Antes de My Joy, porém, o cinema de Loznitsa se concentrava no documentário, com particular atenção para Blokada (Bloqueio), sobre a Leningrado cercada pelo exército nazista.

Sem falas e sem narração, Blokada é puro som e imagem, se revelando muito capaz de independer da lembrança do emblemático Noite e Neblina, de Alain Resnais, obra de princípio semelhante. As imagens são registros, resultado de pesquisa e montagem de Loznitsa em arquivos da Segunda Guerra. Os sons, incluídos, desenhados como se visassem um impacto para além da mera produção de ruído ou barulho, configuram incrível sensação de imergir em um testemunho. Talvez numa espécie de dosagem de luto, há pequenos intervalos de tela preta, que podem preceder tanto um bonde quanto um prédio em chamas. Temos aqui os 900 dias do cerco a Leningrado em poderosos 50 minutos jogados na tela como bala de canhão, com tiros e súbitos estrondos destrutivos dividindo espaço sonoro com passos e carros. Isso num cinema...

Há, também, aquele rico momento presente nesses pedações de registro bruto (e brutal, no caso de Loznitsa) como Blokada, em que uma pessoa ou uma família debandada, uma criança que seja, olha curiosa para a câmera. Sempre interessante pensar nesses filmes vistos hoje, setenta anos depois, e no futuro. História de corpos na neve e cordas no pescoço.

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