quarta-feira, 4 de abril de 2012

As Neves de Kilimanjaro



Nunca vi grande coisa no cinema de Robert Guédiguian. Acho dois de seus filmes mais elogiados, Marie-Jo e Seus Dois Amores e A Cidade Está Tranqüila, uns sacos de assistir. Mas esse As Neves de Kilimanjaro (mesmo nome de um longa de 1952, com Gregory Peck e Ava Gardner) é Guédiguian me agradando de verdade, filme com um humanismo bonito e natural.

O cineasta é um típico autor de mesmos atores, tendo na incrível Ariane Ascaride a sua veia arterial. A atriz está em todos os seus filmes e traz um daqueles rostos que sugerem muita vida já vivida, sofrida e aproveitada em pequenos e verdadeiros prazeres. Contracena mais uma vez com Jean-Pierre Darroussin, outro favoritão de Guédiguian, assumidamente construindo sua carreira e obra completa entre amigos. Basicamente, em As Neves de Kilimanjaro, o casal interpretado por eles tem de lidar com a denúncia de um crime. Os dois sofrem moralmente, ele por ser um trabalhador muito humano, ela por ser mãe-mulher-gente humana.

Cena do crime é boa, súbita, conduzida por Guédiguian como se tivesse acontecido na nossa própria casa. Um dos culpados é ser humano com família, história e sugestões de vida muito sensatas, mesmo que movido por inconformismo. Ainda mais interessante é o sindicalista de Darroussin, homem de esquerda com crises de consciência burguesa, anti-colonialista com certo grau de radicalismo (se recusa a aprender inglês), mas que sabe cantar Beatles e Rolling Stones e tem uma ligação pessoal com revistinhas do Homem-Aranha. Não há o menor traço de hipocrisia nessa sua composição, apenas gente de carne e osso.


O filme é inspirado no poema "Os Pobres", de Victor Hugo, e abre com uma lista-loteria de desemprego, loteria esta muito importante no todo. Por sua vez, o título se apresenta por uma música especial para o casal, que ganha dos amigos e familiares uma viagem para a África, presente de aniversário de casamento; "sob os pés do Kilimanjaro", diz alguém. Surge daí, em cena próxima ao fim, à beira da praia, o momento mais inspirado do filme, com Guédiguian mostrando que a África pode estar ali mesmo, na França. Singelo.


Texto escrito em fevereiro, durante a V Mostra O Amor, a Morte e as Paixões

Nenhum comentário:

Postar um comentário