domingo, 25 de dezembro de 2011




Os De Palmas que fizeram o meu Natal

Em breve papo de internet com meu amigo André, comentamos sobre alguns De Palmas e a necessidade de rever a maioria de seus filmes. A estreia de Missão: Impossível 4 me levou a revisitar o primeiro, de De Palma, o melhor da série, antes um De Palma sólido do que um “filme de franquia”, e já fui impulsionado.

Irmãs Diabólicas

Há dois dias comecei por um que nunca tinha visto: Irmãs Diabólicas (Sisters, 1973), um dos primeiros, sobre irmãs siamesas mental e medonhamente inseparáveis. Há aquela impressão de um cineasta aquecendo olhares e marcas (tela dividida), mas já é muito presente o estilo surtado de violência e suspense, afetação que ele saberia elevar ou disfarçar como se fosse um estranho instrumento numa valsa de requinte. Eu gosto.

Entretanto, Irmãs Diabólicas parece ter de se virar com problemas de ritmo. Cenas “normais” não acompanham o interesse dos momentos que se dedicam inteiramente ao suspense, que num primeiro momento tem algo de Festim Diabólico em uma ou outra cena (o sofá). Hitchcock, inspirando e assombrando De Palma desde a adolescência, quase um caso de siameses, pois a relação de De Palma com o hômi do suspense é muito como o jogo de corpos e personalidades das irmãs Danielle/Dominique.

De Palma aprecia uma enlouquecida, um filme que bate a cabeça na parede repetidamente. Abalos psicológicos revestidos de suspense e horror alimentam Irmãs Diabólicas e outros de seus filmes, sobretudo aqueles da primeira metade da filmografia. Irmãs abre com imagens dos fetos em clima de terrorzão. A trilha de Bernard Herrmann assina um pesadelo.

Daria uma sessão tripla linda ao lado de dois Cronenbergs: Enraivecida na Fúria do Sexo e Gêmeos – Mórbida Semelhança.

A Fúria

Tinha visto uma única vez e achado ruim, mas nunca consegui me posicionar muito bem a respeito. Continua ruim, só que a violência, que antes me batia como uma criança, agora deu uma crescida.

É o filme seguinte a Carrie, obra semelhante e muito superior, focada desde o começo e praticamente mítica no todo. Em A Fúria (The Fury, 1978) há telepatas, escola com bullying, uma moça sofrida com seu dom. Mas há também uma subtrama de agente secreto, Kirk Douglas de idade já avançada dando saltos de gato em busca do filho raptado. As tramas levam a uma escola especial, o que me fez pensar numa espécie de X-Men feio (o reencontro com o filho deve ser das piores cenas de De Palma).

Douglas desconfortável, trilha de John Williams erradíssima no tom (intro da escola, fuga em câmera lenta...), Carrie bailando a dois anos de distância... Não fosse a última cena, dava pra esquecer tudo.

Vestida para Matar

Angie Dickinson. Foram os primeiros mamilos rosados que me lembro de ter visto em um filme. Cena de abertura, ducha, nudez completa, vidro embaçando, carcadas e fantasias.

Essa abertura é uma das quatro cenas de Vestida para Matar (Dressed to Kill, 1980) que mantenho intactas na memória. As outras são o jogo de gata e rato no museu, em que um estranho bate e assopra durante escapadas de visão; a posuda mistura de Argento e Hitchcock no elevador; e a última, retorno ao banheiro, à ducha e às fantasias, em vários sentidos.

Não lembrava de quase nada além disso, no entanto. Não gosto de nenhuma das cenas com o garoto, personagem importante e que nem lembrava de existir. Me tira do transe, faz uma lacuna, exige um esforço pra situá-lo nesse filme. O detetive também, mas em menor escala, pois há nele algo de charlatanesco que acaba casando.

De todo modo, é um dos De Palmas mais engraçados. Há uma assassina psicótica a solta; no filme, sua primeira vítima é uma paciente do psicólogo interpretado por Michael Caine, sujeito que encara espelhos entre um “sim” e um “não”. É um filme de curiosa e afetada tensão sexual, alimentada adiante pela inclusão de uma personagem prostituta (Nancy Allen, também mamilando) e por elaborações da trama. Como nos bons De Palmas, caras e bocas estão muito bem pensadas acima do tom; tudo o que envolve Dickinson fica a um passo do hilário, inclusive bilhetes afetuosos seguidos de doenças venéreas.

É também um desses De Palmas em que a mise-en-scène mais se revela em todo seu cuidado, muitas vezes mais que Hitchcock (Obsessão dormia com Vertigo, Vestida para Matar seduz Psicose a navalhadas de giallo). É escancarada, na verdade, saboreando o prazer de ser notada por esse nosso voyeurismo. A maravilhosa cena do elevador é um belo exemplo de cinema exibicionista, de fetiche em vários níveis, e parece construída em modo pause por um cinéfilo danado em posse de controle remoto. Tesão total.

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